Título
forte, polêmico? Não, caro leitor. É a expressão concreta do sentimento de
milhões de brasileiros diante de recente proposta feita pelo Conselho Federal
de Medicina (CFM) para a liberação do aborto até a 12.ª semana de gestação. O
presidente do CFM, Roberto D'Ávila, na defesa de uma decisão que está em rota
de colisão com a ética médica, esgrime argumentos que não param em pé:
"Vivemos em um Estado laico. Seria ótimo que as decisões fossem adotadas
de acordo com o que a sociedade quer e não como o que alguns grupos
permitem". A estratégia de empurrar os defensores da vida para o córner do
fundamentalismo religioso já não cola.
Um
embrião e um feto (e querem promover o aborto no terceiro mês da gravidez) são
também pessoas, tanto do ponto de vista científico como filosófico. É falsa a
afirmação de que o feto faz parte do corpo da mãe e que a mãe pode abortar por
ter direito sobre o seu próprio corpo. Na verdade, a mãe é a hospedeira,
protetora e nutriz de um novo ser diferente dela, um outro indivíduo.
Biologicamente, o ser que está aconchegado no seio da mãe é idêntico ao que
estará sentado no seu colo com 3 meses ou à mesa com ela quando tiver 15, 20 ou
50 anos de idade. O embrião é distinto de qualquer célula do pai ou da mãe; em
sua estrutura genética, é "humano", não um simples amontoado de células
caóticas; e é um organismo completo, ainda que imaturo, que - se for protegido
maternalmente de doenças e violência - se desenvolverá até o estágio maduro de
um ser humano.
Aprovar
a autorização legal para abortar, como bem comentam os filósofos Robert P.
George e Christopher Tollefsen em seu livro Embryo:
a Defense of Human Life, é dar licença para matar uma certa classe de seres
humanos como meio de beneficiar outros. Defender os direitos de um feto é a
mesma coisa que defender uma pessoa contra uma injusta discriminação - a
discriminação dos que pensam que há alguns seres humanos que devem ser
sacrificados por um bem maior. Aí está exatamente o cerne da questão, que nada
tem que ver com princípios religiosos nem com a eventual crença na existência
da alma.
Hoje
o que está sendo questionado não é tanto a realidade biológica, inegável, a que
acabo de me referir, é coisa muito mais séria: o próprio conceito de
"humano" ou de "pessoa". Trata-se, portanto, de uma
pergunta de caráter filosófico e jurídico: quando se pode afirmar de um embrião
ou de um feto que é propriamente humano e, portanto, detentor de direitos, a
começar pelo direito à vida?
O
desencontro das respostas científicas - evidente - acaba deixando a questão sem
um inequívoco suporte da ciência. Fala-se de tantos dias, de tantos meses de
gravidez... E se chega até a afirmar, como já foi feito entre nós, que só somos
seres humanos quando temos autoconsciência. Antes disso, só material
descartável ou útil para laboratório. Mas será que um bebê de 2 meses ou de 2
anos tem "autoconsciência"?
Perante
essa perplexidade, é lógico que se acabe optando pelo juridicismo. Cada vez
mais, cientistas e juristas vêm afirmando que quem deve decidir o momento em
que começamos a ser humanos e, em consequência, a ter direito inviolável à vida
é a lei de cada país. E é isto que querem fazer: embutir o aborto na reforma do
Código Penal. Ora, essas leis, por pouca informação que se tenha, variam de um
país para outro e dependem apenas - única e exclusivamente - de acordos, do
consenso a que chegarem os legisladores. Em muitos casos, mais que uma questão
de princípios, decidir-se-á por uma questão de pressões, ou por complexos
comparativos, isto é, pelo argumento de que não podemos ficar atrás dos
critérios legais seguidos pelos países desenvolvidos. Mas nem pressões nem
complexos parecem valores válidos para decidir sobre vidas humanas.
Quanto
ao "consenso por interesse", é útil recordar que fruto dele foi a
legislação que durante séculos definiu uma raça ou um povo como legalmente
infra-humanos e, portanto, podendo ser espoliados de direitos e tratados como
"coisas", também para benéficas experiências científicas: caso do
apartheid dos negros na África do Sul e dos judeus aviltados e trucidados pela soberania
"democrática" nazista.
O
juridicismo, hoje prevalente, equivale a prescindir de qualquer enfoque
filosófico e naufragar nas águas sempre mutáveis do relativismo. Nada tem um
valor consistente, tudo depende do "consenso" dos detentores do
poder, movidos a pressões de interesses. Mas se é para falar de consenso
democrático, todas as pesquisas, sem exceção, têm sido uma ducha de água fria
na estratégia pró-aborto. O brasileiro é contra o aborto. Não se trata apenas
de uma opinião, mas de um fato medido em sucessivas pesquisas de opinião. O
CFM, representando uma minoria, está promovendo uma ação nitidamente
antidemocrática.
Não
obstante a força do marketing emocional que apoia as campanhas pró-aborto, é
preocupante o veneno antidemocrático que está no fundo dos slogans abortistas.
Não se compreende de que modo obteremos uma sociedade mais justa e digna para
seres humanos (os adultos) com a morte de outros (as crianças não nascidas).
Além
disso, não sei como o Conselho Federal de Medicina consegue articular sua proposta
pró-aborto com o juramento hipocrático. A posição da atual diretoria desse
conselho, tal como amplamente veiculada pelos meios de comunicação, não parece
condizer com o compromisso sobre o qual todos os médicos, velhos ou novos,
algum dia juraram. Não creio que o CFM represente o pensamento daqueles que, um
dia, prometeram solenemente empenhar sua profissão, seu saber e sua ciência na
defesa da vida.
(Fonte:
Estadão – Carlos Alberto Di Franco)
* Carlos Alberto Di Franco é doutor em
Comunicação pela Universidade de Navarra, diretor do departamento de
Comunicação do Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS).
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