“Almas devotas, procuremos ao menos imitar a esposa
dos Cânticos, que dizia: “Eu assentei-me à sombra daquele que tanto desejei”
(Cânt 2, 3). Oh! Que doce repouso as almas que amam a Deus encontram nos
tumultos deste mundo e nas tentações do inferno e mesmo nos temores dos juízos
de Deus, contemplando a sós em silêncio o nosso amado Redentor agonizando na
cruz, gotejando seu sangue divino de todos os seus membros já feridos e rasgados
pelos açoites, pelos espinhos e pelos cravos. Oh! Como
a vista de Jesus crucificado afugenta de nossas mentes todos os desejos de
honras mundanas, das riquezas da terra e dos prazeres dos sentidos! Daquela cruz emana uma vibração
celeste, que docemente nos desprende dos objetos terrenos e acende em nós um santo desejo de sofrer e
morrer por amor daquele que quis sofrer tanto e morrer por amor de nós.
Ó Deus, se Jesus Cristo não fosse o que ele é, Filho de Deus e
verdadeiro Deus nosso criador e supremo senhor, mas um simples homem, quem não
sentiria compaixão vendo um jovem de nobre linhagem, inocente e santo, morrer à
força de tormentos sobre um madeiro infame, para pagar, não os seus delitos,
mas os de seus mesmos inimigos e assim libertá-los da morte em perspectiva? E
como é possível que não ganhe os afetos de todos os corações um Deus que morre
num mar de desprezos e de dores por amor de suas criaturas? Como poderão essas
criaturas amar outra coisa fora de Deus? Como pensar em outra coisa que em ser
gratos para com esse tão amante benfeitor? “Oh! Se conhecesses o mistério da
cruz!”, disse Santo André ao tirano que queria induzi-lo a renegar a Jesus
Cristo, por ter Jesus se deixado crucificar como malfeitor. Oh!
Se entendesses, tirano, o amor que Jesus Cristo te mostrou querendo morrer na
cruz para satisfazer por teus pecados e obter-te uma felicidade eterna,
certamente não te empenharias em persuadir-me a renegá-lo; pelo
contrário, tu mesmo abandonarias tudo o que possuis e esperas nesta terra para
comprazeres e contentares um Deus que tanto te amou. Assim já procederam tantos
santos e tantos mártires que abandonaram tudo por Jesus Cristo. Que vergonha
para nós, quantas tenras virgenzinhas renunciaram a casamentos principescos,
riquezas reais e todas as delícias terrenas e voluntariamente sacrificaram sua vida para
testemunhar qualquer gratidão pelo amor que lhes demonstrou este Deus
crucificado.
Como explicar então que a muitos cristãos a paixão de Cristo faz
tão pouca impressão? Isso provém do pouco que consideram nos padecimentos
sofridos por Jesus Cristo por nosso amor. Ah, meu Redentor, também eu estive no
número desses ingratos. Vós sacrificastes vossa vida
sobre uma cruz, para que não me perdesse, e eu tantas vezes quis perder-vos, ó
bem infinito, perdendo a vossa graça! Ora,
o demônio, com a recordação de meus pecados, pretenderia tornar-me dificílima a
salvação, mas a vista de vós crucificado, meu Jesus, me assegura que não me
repelireis de vossa face se eu me arrepender de vos haver ofendido e quiser vos
amar. Oh! Sim, eu me arrependo e quero amar-vos com todo o meu coração. Detesto
aqueles malditos prazeres que me fizeram perder a vossa graça. Amo-vos, ó
amabilidade infinita, e quero amar-vos sempre e a recordação de meus pecados
servirá para me inflamar ainda mais no vosso amor, que viestes em busca de mim
quando eu de vós fugia. Não, não quero mais separar-me de vós, nem deixar mais
de vos amar, ó meu Jesus. Maria, refúgio dos pecadores, vós que tanto
participastes das dores de vosso Filho na sua morte, suplicai-lhe que me perdoe
e me conceda a graça de o amar.”
(Santo Afonso de Ligório)
Nenhum comentário:
Postar um comentário