Os habitantes da cidade de Gaza,
acordando certa manhã, ficaram cheios de admiração. No dia antecedente haviam
atraído Sansão para dentro dos muros, haviam trancado as portas, tinham posto
guardas por toda parte, e depois, esfregando as mãos de contentamento,
haviam-se escondido, dizendo: “Amanhã, ao raiar do dia, quando ele quiser ir-se
embora, mata-lo-emos”. Ao invés disso, à meia-noite, Sansão acordando e
querendo sair da cidade, quando se achou diante da porta fechada, tomou ambos
os batentes com seus umbrais e com a tranca, arrancou-os do muro, lançou-os
sobre os seus ombros possantes, e, correndo como se carregasse um cordeirinho,
subiu a montanha que se erguia bem em frente, e chegou ao cimo antes que o sol
nascesse (cf. Juízes XVI, 1-3).
Que outra coisa pode significar
este fato da História Sagrada senão a ressurreição gloriosa de Nosso Senhor? E
os cidadãos de Gaza não são, porventura, na perfídia, semelhantes aos judeus
que se haviam alegrado por terem matado Jesus, de haverem lançado o seu corpo
num sepulcro fechado e selado por uma pedra enorme, de terem chamado sentinelas
para vigiarem as imediações? Porém Jesus é infinitamente maior e mais forte do
que Sansão: Ele não somente arrancou as portas de uma cidade terrena, mas
quebrou os batentes da morte e do inferno. Ouvi.
Era o domingo de madrugada. Em
Jerusalém, ainda sepulta no sono, todos dormiam: e eis que algumas mulheres
caminham silenciosamente, levando sob os mantos vasos cheios de perfume. Quando
o sol, superada a linha das colinas, derramou a sua luz até no fundo dos vales,
elas já se achavam no jardim de José de Arimatéia.
“Quem nos removerá a pedra da
boca do sepulcro?”, murmuravam elas entre si. Mas a pedra, já removida, jazia
alvejante e larga por entre o verde da erva tenra.
Assustadas, penetraram no túmulo:
estava invadido pela luz. Sentado à direita, envolto numa túnica branca, um
anjo esperava-as: “Não temais! Se buscais a Jesus Nazareno, não está aqui:
ressuscitou. Ide, e dizei-o a Pedro, dizei-o aos discípulos!”
Felizes mulheres; a elas foi
confiado anunciarem ao universo a ressurreição. “E era justo”, diz Santo
Ambrósio; “assim como no princípio do mundo a ruína começou pela mulher, assim
também agora a salvação devia ser primeiramente anunciada pela mulher: a
primeira no mal, a segunda no bem”.
Mas feliz também o sepulcro! as
mulheres para ali se haviam dirigido a fim de chorarem um Morto, a fim de
perfumarem as carnes dilaceradas de um Crucificado, mas enganaram-se. Em vez da
morte acharam a Ressurreição, em vez de um cadáver acharam um anjo, em vez de
pranto acharam a alegria maior.
A visão do profeta cumpriu-se. Et
erit sepulchrum ejus gloriosum: “e o seu sepulcro será glorioso” (Is XI, 10):
glorioso pela fé,
glorioso pela esperança,
glorioso pelo amor
que dele jorra nos séculos
inexaurivelmente.
Há em Roma uma “via” famosa pelas
suas ilustres sepulturas: de um lado e doutro das suas margens erguem-se ainda
os túmulos dos cônsules e dos imperadores. Pois bem: que foi que esses túmulos
produziram até agora? Que força emana daqueles soberbos mausoléus que os
viajores ainda olham com olhos maravilhados? E que podem eles fazer senão
proclamar, alto e sempre, a miséria e a vaidade de toda grandeza humana?
Não assim o sepulcro de Jesus
ressuscitado: desde a hora em que as piedosas mulheres ouviram nele o anúncio
da Ressurreição, toda alma que vem ao mundo olha para lá, a fim de acender a
chama sobrenatural da sua fé, da sua esperança, do seu amor.
Muitos milagres realizou o Filho
de Deus durante a sua vida mortal: os demônios fugiam, os cegos viam, os
leprosos eram curados, os paralíticos andavam. Não eram essas provas palpáveis
da sua divindade? Contudo, muitos não acreditavam nEle.
“Mestre – diziam-lhe –, se
deveras és o Messias, faze-nos ver um prodígio no céu: o sol que pára, uma
estrela que cai, um carro de fogo como o de Elias...”
“Esta geração má e incrédula pede
um sinal no céu...” – respondia-lhes Jesus. Pois bem, um sinal ela terá, maior
do que o qual é impossível ver: e será o sinal de Jonas profeta. “Assim como
Jonas esteve três dias e três noites no ventre do peixe, assim o Filho do Homem
ficará três dias e três noites no seio da terra” (Mt XII, 38-40). Mas os judeus
não compreenderam a sua queixa.
E mesmo quando, brandindo o
flagelo, Ele expulsou do templo os traficantes, alguns ousaram afrontá-lo:
“Quem és tu, para fazeres isto?” “Quem sou eu? – respondeu o Salvador – vo-lo
mostrarei então, dentro em não muito: destruí o templo do meu corpo, fazei-o em
pedaços: em três dias tornarei a pô-lo em pé” (cf. Jo II, 19). Ainda desta vez
não o compreenderam.
Mas até ao pé da cruz eles foram
provocá-lo. Ele já agonizava, e os que passavam junto ao seu patíbulo sacudiam
a cabeça por desprezo: “Fracassaste. Havias prometido reedificar o templo em
três dias, e morres sem um sinal. Ora, se és Filho de Deus, dai-nos ao menos
este sinal: desprega-te da cruz e desce”.
Nem sequer uma só palavra
respondeu.
Mas, três dias depois, veio a
grande resposta: a terra tremeu de admiração, os seus inimigos morderam-se de
raiva, os seus amigos acharam coragem e fé inabalável. O seu sepulcro estava
vazio: Ele ressuscitara da morte.
Antes de Jesus – não percais esta
reflexão de Santo Ambrósio –, antes de Jesus ouvira-se falar de pessoas
ressuscitadas, porém ressuscitadas por outros homens. Com o sopro da sua boca
Eliseu reanimara o filho da Sunamita; Elias, orando, restituíra a vida e a
juventude ao filho de uma viúva de Sarepta, morto de fome. Porém esses
ressurgiam por virtude de outro, e essa virtude não estava neles. A maravilha
inaudita é que um morto se ressuscite a si mesmo: e Jesus realizou-a, para
demonstrar que era o Filho de Deus.
Eis aí por que os Apóstolos,
gente rude e medrosa, depois que viram o sepulcro vazio, tiveram a coragem de
correr por todas as estradas do mundo para levar a chama da fé do Ressurgido.
Daquele sepulcro também os
mártires tiraram a força de se deixarem despedaçar pelas feras ou trucidar
pelos algozes.
Todos os santos, esses
verdadeiros heróis da humanidade, de lá tiraram a sua força: naquele sepulcro
glorioso, fundamento da sua fé, eles depuseram o homem antigo, feito de
fraqueza e de pecado, para revestirem o homem novo, feito de força e de graça.
Olhando para aquele sepulcro, os anacoretas permaneceram no deserto por toda a
vida; olhando para aquele sepulcro, ainda hoje missionários e missionárias
deixam o seu doce lar, a sua pátria amada, e, atravessando mares e montanhas,
anunciam aos povos selvagens que Jesus ressurgiu, que o seu sepulcro é
glorioso.
Hoje, volvamos também nós a nossa
alma preguiçosa e os nossos olhos enevoados para o túmulo do Senhor: nós
também, como as afortunadas mulheres, acha-lo-emos invadido pela luz; nós também
ouviremos a voz do anjo que anuncia a Ressurreição! E sentiremos a nossa fé
tornar-se mais viva e mais ativa.
“Se Ele ressurgiu, é o Filho de
Deus: crede pois em todas as suas palavras!” Mas não nos diz só isto o glorioso
sepulcro, senão também acrescenta: “Se Cristo, o Cabeça ressurgiu, também vós,
ó membros, ressurgireis!” Eis aí a grande esperança que está radicada no fundo
do nosso coração. Reposita est haec spes mea in sinu meo: “A esperança voltou a
habitar no meu peito” (Jó XIX, 27).
Quando São Gregório Magno ainda
era secretário pontifício em Constantinopla, surgira uma discussão entre
aqueles cristãos sobre a ressurreição dos corpos. Entrementes, adoecera
gravemente Eutíquio, o patriarca. São Gregório, e muitos com ele, foram ter com
Eutíquio para ouvirem também o seu último parecer na questão que se agitara.
Eutíquio, no leito, tocando as mãos e mostrando-as a eles, disse: “Coragem!
todos nós ressuscitaremos nesta carne”. Depois, alegre com esta esperança,
morreu.
Todas as vezes que, ajoelhados
sobre a fria campa dos nossos entes queridos, uma profunda melancolia nos faz
confranger o coração, pensemos: “Eles ressurgirão!” Vê-los-emos ainda, tal como
os vimos? abraçá-los-emos ainda, tal como os abraçamos? Será possível? Olhai
para o sepulcro de Cristo: está vazio. Também o dos nossos entes queridos, ao
ressoar das trombetas angélicas, ficará vazio. O Cabeça ressurgiu, ressurgirão
também os membros.
Mas, quando chegar a nossa vez,
quando sob os golpes da morte o nosso corpo se desfizer, quando em volta do
nosso leito trabalhado a nossa família chorar, que a fé nos conforte: “Caio,
mas ressurgirei!” Resurgam. Será possível? Lembremo-nos então do sepulcro de
Cristo: está vazio. Também o nosso, no fim dos tempos, ficará vazio, e Deus nos
restituirá o nosso corpo.
Cristãos, o dogma da ressurreição
da carne encerra um profundo ensinamento: – Como respeitamos o nosso corpo que
um dia ressurgirá? – Quantos, esquecendo a sua dignidade, fazem dele o
instrumento dos pecados mais vergonhosos e mais graves! Ao invés disto, todos
nós devemos praticar a ordem de São Paulo: Glorificate et portate Deum in
corpore vestro: “Glorificai e trazei a Deus no vosso corpo” (1 Cor 6, 20).
Já desde os primeiros séculos, de
todas as partes do mundo os peregrinos acorreram ao sepulcro glorioso do Filho
de Deus. E, quando ele caiu nas mãos dos Turcos, de toda a Europa partiram
exércitos á sua reconquista. Houve um tempo em que até os meninos fugiam de
casa sonhando chegar a Jerusalém, combater e morrer pelo sepulcro de Cristo.
Por que tanto amor? Porque
aquelas pedras são o testemunho de tudo o que um Deus soube fazer por nós:
morrer e ressurgir.
Mas agora Jesus quer que nós
amemos o seu sepulcro de outra maneira. Ele não mais está morto, para se
contentar com pedras frias, com rochas escavadas; agora está ressurgido para
não mais morrer, e pede entrar nos corações vivos dos homens. Todos vós o
haveis recebido? Tendes obedecido, todos, ao mandamento da igreja que impõe a
Comunhão pascal? E a vossa alma tem sido um sepulcro novo e glorioso para
Cristo, ou, ao invés, uma caverna sem perfumes e bolorenta de paixões não
expulsas, de afetos não extirpados?
Eu não duvido de que cada um de
vós tenha aberto o seu coração ao Salvador ressurgido. Mas talvez que entre os
vossos amigos, entre os vossos parentes, em vossa própria casa, haja alguém que
vos é muito caro e que no entanto ficou longe de imitar o glorioso Sepulcro.
Aconselhai-o amoravelmente! Rezai por ele. E, se quiserdes consolar o Senhor,
substituí-o na Sagrada Mesa: depois de havermos cumprido por nós mesmos o dever
pascal, repitamos por ele alguma Comunhão.
Um dos mais célebres escritores
franceses do século passado conta que, ao irromper a guerra de 1870, um pai de
família de cinqüenta anos alistou-se no primeiro regimento dos zuavos, para
tomar o lugar do filho de vinte anos que desertara.
São numerosos os desertores do
exército de Cristo: são numerosos os que não mais compreendem quanta fé, quanta
esperança, quanto amor transpira do sepulcro glorioso do Ressuscitado. Pois
bem, compete a nós tomar-lhes o lugar: durante o tempo pascal não nos
incomodemos de repetir as nossas Comunhões para pedirmos a volta desses
desertores que a incredulidade, o desespero ou a ingratidão tem mantido longe
do Salvador ressurgido.
(Giovanni Colombo)
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