quinta-feira, 25 de abril de 2013

quinta-feira, 11 de abril de 2013

A Virgem Santíssima esmaga a cabeça do dragão enganador


«Quando São Domingos pregava o Rosário perto de Carcassona, trouxeram à sua presença um albigense que estava possesso pelo demónio; parece que mais de doze mil pessoas tinham vindo de propósito para ouvi-lo pregar. Os demónios que possuíam esse infeliz foram obrigados a responder às perguntas de São Domingos, com muito constrangimento. Eles disseram que:


1 - Havia quinze mil deles no corpo desse pobre homem, porque ele atacou os quinze mistérios do Rosário;

2 - continuaram a testemunhar que, quando São Domingos pregava o Rosário, impunha medo e horror nas profundezas do inferno e que ele era o homem que os demónios mais odiavam em todo o Mundo, isto por causa das almas que ele lhes arrancou através da devoção do Santo Rosário.

Revelaram então várias outras coisas.
São Domingos colocou o seu Rosário em volta do pescoço do albigense e pediu que os demónios lhe dissessem quem, de todos os santos dos Céus, eles mais temiam, e quem deveria ser, portanto, mais amado e reverenciado pelos homens.
Nesse momento eles soltaram um gemido inexprimível, graças ao qual a maioria das pessoas caiu por terra desmaiando de medo...e então disseram: " Domingos, nós imploramos-te, pela paixão de Jesus Cristo e pelos méritos da Sua Mãe e de todos os santos, deixa-nos sair deste corpo sem que falemos mais, pois os anjos responderão à tua pergunta a qualquer momento...

São Domingos ajoelhou-se e rezou a Nossa Senhora para que ela forçasse os inimigos a proclamarem a verdade completa e nada mais que a verdade.

Mal tinha terminado de rezar, viu a Santíssima Virgem perto de si, rodeada por uma multidão de anjos. Ela bateu no homem possesso com um cajado de ouro que segurava, e disse:" Responde ao meu servo Domingos imediatamente" .

Então os demónios começaram a gritar: " Ó vós, que sois a nossa inimiga, a nossa ruína e a nossa destruição, por que é que desceste do Céu só para nos torturar tão cruelmente? Ó, Advogada dos pecadores, vós que os tirais das armadilhas que levam ao inferno, vós que sois o caminho seguro para o Céu, devemos nós, para o nosso próprio pesar, dizer toda a verdade e confessar diante de todos quem é que é a causa da nossa vergonha e da nossa ruína? Ó, pobres de nós, príncipes da escuridão: então, ouçam bem, vocês cristãos: a Mãe de Jesus Cristo é todo-poderosa e pode salvar os seus servos de caírem no Inferno; Ela é o Sol que destrói a escuridão da nossa astúcia e subtileza; É ela quem descobre os nossos planos ocultos, quebra as nossas armadilhas e faz com que as nossas tentações sejam inúteis e sem efeito.
Nós temos que dizer, porém de maneira relutante, que nem sequer uma alma que realmente perseverou no seu serviço foi condenada junto a nós; um simples suspiro que ela oferece à Santíssima Trindade é mais precioso que todas as orações, desejos e aspirações de todos os santos.
Nós a tememos mais que a todos os santos juntos nos Céus e não temos nenhum sucesso com os seus fiéis servos. Muitos cristãos que a invocam à hora da morte e que seriam condenados, de acordo com os nossos padrões ordinários, são salvos pela sua intercessão.
Ó, se pelo menos essa Maria (assim era na sua fúria como eles a chamavam) não se tivesse oposto aos nossos desígnios e esforços, teríamos conquistado a igreja e a teríamos destruído há muito tempo atrás; além disso, teríamos feito com que todas as Congregações da Igreja caíssem no erro e na desordem. Agora, que somos forçados a falar, também lhes diremos isto: ninguém que persevera ao rezar o Rosário será condenado, porque ela obtém para os seus servos a graça da verdadeira contrição pelos seus pecados e, por meio do santo rosário, eles obtêm o perdão e a misericórdia de Deus”.»

(Trecho de "O segredo admirável do Santo Rosário para converter-se e salvar-se", São Luís Maria de Montfort.)


quarta-feira, 10 de abril de 2013

Buscar a Deus


"Não rezes a Deus olhando o céu; olha para dentro de ti!

Não busques a Deus longe de ti, mas em ti mesmo!

Não peças a Deus o que te falta; busca-o tu mesmo e Deus buscará contigo porque Ele já te deu como promessa e como meta para que tu próprio o alcances.

Não reproves a Deus por tua desgraça; sofre com Ele e Ele sofrerá contigo. E se há dois em uma mesma dor, se sofre menos.

Não exijas de Deus que te governe com milagres; governa-te tu mesmo com responsável liberdade, amando e servindo, e Deus estará te guiando desde dentro e sem que saibas como.

Não peças a Deus que te responda quando falas com Ele; responde Tu a Ele porque Ele te falou primeiro e se queres seguir ouvindo o que falta, escuta o que Ele já te disse.

Não peças a Deus que te liberte desconhecendo a liberdade que já te deu; anima-te a conhecer e viver tua liberdade e saberás que isso só foi possível porque Deus te quer livre.

Não peças a Deus que te ame enquanto tiveres medo de amar e de saber-te amado. Ama-O, tu, e saberás que se há calor é porque houve fogo, e que se tu podes amar é porque Ele te amou primeiro!"

(Santo Agostinho)


terça-feira, 9 de abril de 2013

Medicina da morte


Título forte, polêmico? Não, caro leitor. É a expressão concreta do sentimento de milhões de brasileiros diante de recente proposta feita pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) para a liberação do aborto até a 12.ª semana de gestação. O presidente do CFM, Roberto D'Ávila, na defesa de uma decisão que está em rota de colisão com a ética médica, esgrime argumentos que não param em pé: "Vivemos em um Estado laico. Seria ótimo que as decisões fossem adotadas de acordo com o que a sociedade quer e não como o que alguns grupos permitem". A estratégia de empurrar os defensores da vida para o córner do fundamentalismo religioso já não cola.
Um embrião e um feto (e querem promover o aborto no terceiro mês da gravidez) são também pessoas, tanto do ponto de vista científico como filosófico. É falsa a afirmação de que o feto faz parte do corpo da mãe e que a mãe pode abortar por ter direito sobre o seu próprio corpo. Na verdade, a mãe é a hospedeira, protetora e nutriz de um novo ser diferente dela, um outro indivíduo. Biologicamente, o ser que está aconchegado no seio da mãe é idêntico ao que estará sentado no seu colo com 3 meses ou à mesa com ela quando tiver 15, 20 ou 50 anos de idade. O embrião é distinto de qualquer célula do pai ou da mãe; em sua estrutura genética, é "humano", não um simples amontoado de células caóticas; e é um organismo completo, ainda que imaturo, que - se for protegido maternalmente de doenças e violência - se desenvolverá até o estágio maduro de um ser humano.
Aprovar a autorização legal para abortar, como bem comentam os filósofos Robert P. George e Christopher Tollefsen em seu livro Embryo: a Defense of Human Life, é dar licença para matar uma certa classe de seres humanos como meio de beneficiar outros. Defender os direitos de um feto é a mesma coisa que defender uma pessoa contra uma injusta discriminação - a discriminação dos que pensam que há alguns seres humanos que devem ser sacrificados por um bem maior. Aí está exatamente o cerne da questão, que nada tem que ver com princípios religiosos nem com a eventual crença na existência da alma.
Hoje o que está sendo questionado não é tanto a realidade biológica, inegável, a que acabo de me referir, é coisa muito mais séria: o próprio conceito de "humano" ou de "pessoa". Trata-se, portanto, de uma pergunta de caráter filosófico e jurídico: quando se pode afirmar de um embrião ou de um feto que é propriamente humano e, portanto, detentor de direitos, a começar pelo direito à vida?
O desencontro das respostas científicas - evidente - acaba deixando a questão sem um inequívoco suporte da ciência. Fala-se de tantos dias, de tantos meses de gravidez... E se chega até a afirmar, como já foi feito entre nós, que só somos seres humanos quando temos autoconsciência. Antes disso, só material descartável ou útil para laboratório. Mas será que um bebê de 2 meses ou de 2 anos tem "autoconsciência"?
Perante essa perplexidade, é lógico que se acabe optando pelo juridicismo. Cada vez mais, cientistas e juristas vêm afirmando que quem deve decidir o momento em que começamos a ser humanos e, em consequência, a ter direito inviolável à vida é a lei de cada país. E é isto que querem fazer: embutir o aborto na reforma do Código Penal. Ora, essas leis, por pouca informação que se tenha, variam de um país para outro e dependem apenas - única e exclusivamente - de acordos, do consenso a que chegarem os legisladores. Em muitos casos, mais que uma questão de princípios, decidir-se-á por uma questão de pressões, ou por complexos comparativos, isto é, pelo argumento de que não podemos ficar atrás dos critérios legais seguidos pelos países desenvolvidos. Mas nem pressões nem complexos parecem valores válidos para decidir sobre vidas humanas.
Quanto ao "consenso por interesse", é útil recordar que fruto dele foi a legislação que durante séculos definiu uma raça ou um povo como legalmente infra-humanos e, portanto, podendo ser espoliados de direitos e tratados como "coisas", também para benéficas experiências científicas: caso do apartheid dos negros na África do Sul e dos judeus aviltados e trucidados pela soberania "democrática" nazista.
O juridicismo, hoje prevalente, equivale a prescindir de qualquer enfoque filosófico e naufragar nas águas sempre mutáveis do relativismo. Nada tem um valor consistente, tudo depende do "consenso" dos detentores do poder, movidos a pressões de interesses. Mas se é para falar de consenso democrático, todas as pesquisas, sem exceção, têm sido uma ducha de água fria na estratégia pró-aborto. O brasileiro é contra o aborto. Não se trata apenas de uma opinião, mas de um fato medido em sucessivas pesquisas de opinião. O CFM, representando uma minoria, está promovendo uma ação nitidamente antidemocrática.
Não obstante a força do marketing emocional que apoia as campanhas pró-aborto, é preocupante o veneno antidemocrático que está no fundo dos slogans abortistas. Não se compreende de que modo obteremos uma sociedade mais justa e digna para seres humanos (os adultos) com a morte de outros (as crianças não nascidas).
Além disso, não sei como o Conselho Federal de Medicina consegue articular sua proposta pró-aborto com o juramento hipocrático. A posição da atual diretoria desse conselho, tal como amplamente veiculada pelos meios de comunicação, não parece condizer com o compromisso sobre o qual todos os médicos, velhos ou novos, algum dia juraram. Não creio que o CFM represente o pensamento daqueles que, um dia, prometeram solenemente empenhar sua profissão, seu saber e sua ciência na defesa da vida.

(Fonte: Estadão – Carlos Alberto Di Franco)
* Carlos Alberto Di Franco é doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, diretor do departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS). 


segunda-feira, 8 de abril de 2013

Castidade


A sexualidade afeta todos os aspectos da pessoa humana, na sua unidade de corpo e alma. Por isso a castidade é imprescindível para o seguimento de Cristo, para o respeito aos outros e para uma ordem social justa, na qual o corpo e os sentimentos – e com eles a pessoa – não se convertam em meros instrumentos de prazer.
O título é esse mesmo: Castidade. Sem anestesia. Um título que é politicamente incorreto porque, segundo os cronistas atuais, o correto seria afirmar que os ensinamentos católicos em matéria de sexo são – ou parecem ser – “aberrações”, como dizem algumas páginas na Internet e alguém do alto escalão da Comunidade Européia. Evidentemente não concordo com essa afirmação, mas respeito quem as fez. Mais ainda: quero escrever de forma positiva, tanto ao referir-me às opiniões contrárias como ao tratar da própria virtude, que no dizer de São Josemaría Escrivá “é uma afirmação gozosa” (Amigos de Deus, nº 177).
Embora a autoridade em doutrina católica seja o Magistério da Igreja, não faz mal citar estas palavras de Goethe: “Pensamentos grandes e coração puro, isso é o que teríamos que pedir a Deus”, pois elas de algum modo sintetizam a castidade.
O Catecismo da Igreja Católica afirma que “a sexualidade afeta todos os aspectos da pessoa humana, na sua unidade de corpo e alma. Diz respeito particularmente à afetividade, à capacidade de amar e de procriar e, de uma maneira mais geral, à aptidão para criar vínculos de comunhão com os outros” (n. 2332). Parece-me que os pensamentos grandes e o coração limpo do genial Goethe são mais fáceis de cultivar nesse contexto em que o Catecismo resume a sexualidade. Basta pensar na referência que faz à pessoa humana inteira, e já se pode descartar que a sexualidade seja somente o uso dos órgãos genitais. Uma sexualidade que se resuma a isso é muito pobre; mais ainda: pode corroer-se e ser destruída, corrompida pela busca constante de novas sensações, que logo ao nascerem já envelhecem.
Um pouco mais à frente o Catecismo acrescenta: “A castidade significa a integração correta da sexualidade na pessoa e com isso a unidade interior do homem em seu ser corporal e espiritual. A sexualidade, na qual se exprime a pertença do homem ao mundo corporal e biológico, torna-se pessoal e verdadeiramente humana quando é integrada na relação de pessoa a pessoa, na doação mútua integral e temporalmente ilimitada, do homem e da mulher. A virtude da castidade comporta, portanto, a integridade da pessoa e a integralidade da doação”.
Essas linhas expressam muitas idéias:

– A sexualidade procede da corporalidade, mas se integra na pessoa que se relaciona com outra pessoa na forma de uma doação mútua entre o homem e a mulher, mediante vinculação permanente que chamamos matrimônio.

– A integração na pessoa alude à sua unidade, uma unidade que não tolera nem a dupla vida nem a dupla linguagem. Isso implica um domínio de si próprio para ser fiel ao dom que faz à outra pessoa.

– A sexualidade se realiza num homem e numa mulher cuja capacidade unitiva e procriativa estão entrelaçadas de forma harmônica com todos os aspectos do seu próprio ser.

Talvez seja por isso que Lacordaire disse que “a castidade não é uma virtude própria do claustro e dos iniciados. É uma virtude moral e social, uma virtude necessária para a vida do gênero humano”. É imprescindível para o seguimento de Cristo, para o respeito aos outros e para uma ordem social justa, na qual o corpo e os sentimentos – e com eles a pessoa – não se convertam em meros instrumentos de prazer. Santo Agostinho ia muito mais longe ao comentar a conhecida bem aventurança: “Queres ver a Deus? Escuta-O: Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus. Em primeiro lugar pensa na pureza do teu coração; aquilo que nele vejas que desagrada a Deus, elimina-o.”
Por essas e por outras razões – também de tipo natural – a Igreja pede a virtude da castidade a todos os que queiram seguir a Cristo, quer sejam solteiros ou casados. Aos solteiros lhes exige a continência total; aos casados, que os atos próprios do amor conjugal estejam abertos à vida. Isso porque a pureza – como disse João Paulo II – “sempre é exigida pelo amor: é a dimensão da sua verdade interior no coração do homem”. Se há amor verdadeiro no coração, há de manifestar-se externamente de modo casto: “Onde não há amor a Deus, reina a concupiscência” (Santo Agostinho).
Pode-se argumentar dizendo que há católicos que vivem à margem desses ensinamentos. Sabemos muito bem que eles existem, mas esse comportamento não somente não altera em nada a doutrina de Cristo – como o fato de haver ladrões não implica que o roubo deva ser permitido – como também não é irrevogável: sempre podemos ser o filho pródigo que regressa à casa do Pai mediante o Sacramento da Penitência.
Também se pode afirmar que ser casto exige um heroísmo impossível. Não é bem assim quando – além de contar com a ajuda de Deus na oração e nos sacramentos – se sabe antepor ao sexo outros interesses mais fortes: a fé, a família, o trabalho, o serviço aos outros, gostos humanos nobres, etc. E também empreender a luta: a boa ascética cristã, que não fabrica super-homens, mas sim pessoas que sabem o que é fortaleza e vontade firme. “Gravai-o na vossa cabeça – diz São Josemaría comparando a castidade às asas, que embora pesem são imprescindíveis para voar – decididos a não ceder se notais a mordida da tentação, que se insinua apresentando a pureza como um fardo insuportável. Ânimo! Para o alto! Até o sol, à caça do Amor” (Amigos de Deus, nº 177).

(Pablo Cabellos Llorente)


domingo, 7 de abril de 2013

Senhor Misericordioso, como é grande o teu amor por mim, pecador!



“Senhor Misericordioso, como é grande o teu amor por mim, pecador! Permitiste-me que te conhecesse; deste-me a provar a tua graça. «Saboreai e vede como o Senhor é bom» (Sl. 33,9). Deixaste que eu saboreasse a tua bondade e a tua misericórdia, e insaciavelmente, dia e noite, a minha alma é atraída por ti. A alma não pode esquecer o seu Criador, porque o Espírito divino lhe dá forças para amar aquele que ela ama; Não pode saciar-se, mas deseja sem cessar o seu Pai celeste.
Feliz a alma que ama a humildade e as lágrimas e que odeia os maus pensamentos. Feliz a alma que ama o seu irmão, porque o nosso irmão é a nossa própria vida. Feliz a alma que ama o seu irmão; ela sente em si a presença do Espírito do Senhor; Ele dá-lhe paz e alegria e chora pelo mundo inteiro.
A minha alma recordou-se do amor do Senhor e o meu coração acalentou-se. A minha alma abandonou-se a uma profunda lamentação, porque ofendi tanto o Senhor, meu Criador bem amado. Mas Ele não se recordou dos meus pecados; então a minha alma abandonou-se a uma lamentação ainda mais profunda para que o Senhor tenha misericórdia de cada homem e o leve para o seu Reino celeste. A minha alma chora pelo mundo inteiro.”
  
(São Siluane de Athos, Monge)




sexta-feira, 5 de abril de 2013

Também é orgulho ser sozinho


Um dos conselhos mais importantes de São Paulo no Novo Testamento é aquele“quem julga estar de pé, cuide para que não caia” que encontramos na primeira carta aos Coríntios. Não obstante, e infelizmente, sempre se encontrou na história da Igreja quem fizesse pouco caso dessa tão fundamental exortação, o que já levou muitas almas à mais terrível ruína.
São Luís de Montfort lamenta n’algum lugar do Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem os tantos cedros do Líbano que já caíram miseravelmente por terra devido à imprudência de se julgarem auto-suficientes. Não é sem razão que a espiritualidade católica sempre insistiu na importância de combater não apenas os pecados externos, mas também (e principalmente) os internos, dentre os quais o orgulho ocupa um lugar de infeliz proeminência. Enganar-nos-íamos se pensássemos que este vício anda sempre lado-a-lado com a arrogância manifesta! O orgulho é primariamente interior. Pode perfeitamente reinar no coração de um homem e, ao mesmo tempo, passar despercebido de todos os que convivem com ele.
Decerto não era nisso que pensava a Florbela Espanca quando o escreveu, mas há muita sabedoria naquele seu verso que diz “[q]ue também é orgulho ser sozinha”. A idéia de que somos mais especiais de que os nossos irmãos é sedutora, mas é terrivelmente falsa. A concepção de que podemos fazer alguma coisa de grande por nós mesmo é enganadora – e quantos não caem neste canto-de-sereia! A vaidade de desbravarmos o nosso próprio caminho nesta vida, desprezando a caminhada dos que nos são próximos, já conduziu muitas almas para o abismo.
Aqui é preciso tomarmos cuidado para não cairmos em engano; sem dúvidas cada pessoa tem o direito e até mesmo o dever de escrever a própria história, e o insubstituível protagonismo de cada um na sua própria salvação é uma necessidade que não nos convém nunca esquecer. Não obstante, por meio de um desses aparentes paradoxos que perfazem a complexidade humana, a nossa dimensão individual é inseparável da comunitária e, se é verdade que temos o dever de trilhar o nosso próprio caminho, não é menos verdade que ele deve estar inserido na teia de relacionamentos que o Altíssimo teceu para a nossa existência.
De modo particular, a nossa salvação – individual – passa necessariamente por aquela comunidade de fiéis que Deus estabeleceu no mundo para conduzir os homens à Bem-Aventurança Eterna; passa, necessariamente, pela Igreja de Cristo. Rejeitar a companhia daquelas almas ao lado das quais a Divina Providência determinou que caminhássemos neste Vale de Lágrimas, longe de ser um sadio protagonismo próprio das grandes almas, é orgulho mesquinho que se revela um horrendo sinal de perdição. Querer construir por conta própria um caminho que conduza aos Céus é loucura e, na verdade, é somente a velha tentação original apresentada sob uma nova roupagem. O verdadeiro e legítimo protagonismo que precisamos assumir é o de conferir as marcas da nossa individualidade ao caminho que Nosso Senhor Jesus Cristo já abriu para nós, e não o de buscar por conta própria um outro caminho para o Céu. A Igreja não é uma estrada para o Paraíso ao lado de tantas outras, muito pelo contrário: é o terreno seguro somente dentro do qual é possível ao ser humano abrir o seu caminho para Deus. Podemos ensaiar os nossos próprios passos sim, e temos total liberdade para fazê-los da nossa própria maneira – mas somente dentro do palco que Deus preparou para que fosse possível haver dança. Esforcemo-nos, sim, para salvar a nossa alma, e o façamos com todas as particularidades que nos são próprias; mas somente dentro da Igreja, criada por Deus para que pudesse existir salvação no mundo.
Eu pensava nessas coisas quando li aquela triste notícia segundo a qual Magdi Cristiano Allam, ex-muçulmano batizado por Bento XVI, anunciou ter deixado a Igreja Católica. Eu me lembro do seu Batismo, em uma vigília de Páscoa, no coração do Vaticano, diante de todas as câmeras do mundo; lembro-me de como fiquei feliz com o ex-muçulmano, cujo batismo no Sábado de Aleluia parecia uma resposta a uma das Grandes Orações da véspera. Lembro-me de que – insensato – pensei que, este, a Igreja não haveria de perder, pois se convertera já na idade adulta e após experimentar os falsos credos, e estas conversões soem ser mais profundas e definitivas.
Infeliz de mim, que estava rotundamente engando! O converso abandonou a Igreja. Por que o fez? Por conta daquilo que ele chamou de “relativismo religioso” e, particularmente, pela legitimação do Islam como verdadeira religião. Aqui as coisas começam a ficar mais claras. É óbvio que o Islamismo não é “verdadeira religião”, porque a única religião verdadeira é aquela fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus e Homem Verdadeiro. É óbvio que a Igreja jamais “legitimou” o Islam e nem o poderia fazer jamais, porque isso seria trair a Si mesma. Então, do que é exatamente que Magdi Allam está reclamando?
Arriscamos uma resposta. O que o incomoda é a – na visão dele – leniência da Igreja em enfrentar o Islam, o que lhe tira a paz é perceber que a Igreja não combate o islamismo com o denodo que ele julga necessário. Em uma palavra, o seu problema, aparentemente, é um só: a sua conversão à Igreja em 2008 parece ter sido mais para lutar contra Maomé do que para fazer-se discípulo de Cristo. Mais por ódio ao Corão do que por amor a Cruz. E o ódio, embora pareça mais intenso, é também mais inconstante e menos duradouro: o simples ódio a alguma coisa é incapaz de garantir a regularidade devotada que o Cristianismo exige como caminho de vida.
E essa história triste, na verdade, nos deixa ao menos uma preciosa lição: ninguém deve se converter à Igreja por ser contra o islamismo ou o protestantismo, o relativismo ou o esquerdismo, o feminismo ou o homossexualismo, a degeneração moral ou a crise de valores, nada. Vou até mais além: ninguém deve nem mesmo converter-se à Igreja porque os Seus ensinamentos são corretos. Na verdade, deve-se ser católico por uma única e simples razão: para salvar a própria alma, uma vez que sozinho ninguém é capaz de a salvar. Outra espécie de amor à Igreja que não esteja radicado em Cristo, que não seja amor a Cristo por Aquilo que Ele é em Si mesmo, não é amor verdadeiro à Igreja. Semelhante “conversão” (que eu nem sei se se pode chamar assim) não é aquela casa do homem prudente edificada sobre a rocha da qual nos fala o Evangelho. Ao contrário, é frágil construção edificada sobre a areia, cujos alicerces cedo ou tarde irão abaixo por conta das intempéries da natureza – e grande será a ruína de quem fez ali a sua morada.

(Fonte: Deus lo Vult)


quinta-feira, 4 de abril de 2013

Sete exigências da nova evangelização


1. Amizade com Cristo
Ninguém dá o que não tem. Nova evangelização não consiste em ensinar uma doutrina, mas em ensinar uma relação, isto é, significa ensinar a relacionar-se com Cristo.

Afinal, o Cristianismo é para viver, não para falar. E há por aí um monte de bem-entendidos que são um bando de safados.


2. Contagiar com o ardor apostólico
Mais do mesmo, só que com a novidade do fogo. Diz o provérbio que a primeira condição para se abrir uma loja é sorrir.

E você quer incendiar o mundo sem ser uma brasa?


3. Contar a história de Israel
Seria estranho afirmar que Cristo cumpriu as promessas a Israel e ao mesmo tempo desconhecê-las. Por isso mesmo, São Jerônimo dizia que o desconhecimento da Escritura é o desconhecimento do próprio Cristo.

Não é questão de erudição, mas de um mínimo de intimidade com a Escritura. Gaste menos tempo na Internet e leia a Bíblia 5 min por dia.


4. Domínio da cultura contemporânea
Se você tem a Bíblia na mão direita, tenha o jornal na esquerda. Do contrário, estará criando um gueto intelectual e contradizendo a fé.

A fé se comunica e a comunicação começa por saber ouvir. Antena ligada.


5. Paixão pela Tradição Apostólica
A pior alienação para um católico é querer imitar um protestante. Não é preciso reinventar a roda, ou abrir picadas a facão, pois tudo já se fez e já se disse em nossa história bimilenar.

Você não está sozinho e há experiência de sobra na Tradição. O que falta é ler os grandes autores e estudar a patrística.


6. Ter um coração missionário
Isso não quer dizer necessariamente pegar um avião e ir para a Tailândia. Simplesmente significa sentir-se incomodado com o paganismo do seu quintal.

Se você acha normal a apologia da maconha, o crescente número de divórcios, a baixa assistência à Missa dominical ou a militância homossexual, então você nunca fará nada.


7. Gostar das novas mídias
As novas mídias são a versão 2.0 dos Correios, Telégrafos e Telefones. A sua graça está em aproximar as pessoas, mas é preciso reconhecer que muita gente gasta horas papeando com desconhecidos e vive às turras com quem convive diariamente sob o mesmo teto.

A solução não está em fugir da arena, mas em, respeitando seus limites, lutar conforme as regras.

(Fonte: Depósito de Ideias - João Carlos Nara Jr.)


quarta-feira, 3 de abril de 2013

Bergoglio, Ratzinger e lendas urbanas

Uma pessoa muito próxima e querida disse-me outro dia: “Não posso deixar de pensar em Bento XVI, e sinto-me mal quando o imagino vendo quanto afeto e entusiasmo cercam o novo Papa…”. Com o pouco que conhecemos sobre Ratzinger, parece difícil imaginá-lo ressentido com o fato de seu sucessor, Francisco, obter a simpatia tanto de fiéis quanto de não crentes. Francamente, os comentários dos que se preocupam com esta simpatia que o Papa Bergoglio suscita inclusive nos ambientes laicos e naqueles normalmente afastados da Igreja não têm cabimento. É como se não fosse possível ser verdadeiramente católico sem provocar desconfortos, conflitos, polêmicas ou antipatias. O que está acontecendo é somente uma “lua de mel” com o novo Papa, que vai acabar rápido, como toda lua de mel? Esperemos para ver o que vai acontecer. Devemos, porém, reconhecer a espetacular habilidade da Igreja de renovar-se a si mesma e tomar novo fôlego, apesar da renúncia de um Papa.

Os primeiros dias do pontificado de Francisco foram marcados, sob vários aspectos, pelas diferenças entre ele e seu predecessor. É verdade que Bergoglio sempre caracterizou sua missão com um estilo simples, rompendo constantemente com um protocolo rigidamente estabelecido, da mesma maneira que tinha feito o Papa Wojtyla desde o início de seu pontificado. Mas logo depois de sua eleição começaram a circular lendas urbanas. De acordo com uma delas, Francisco teria rejeitado a mozeta de veludo vermelho bordada, dizendo ao mestre de cerimônias pontifícias, Guido Marini: “Use-a você! O carnaval acabou.” Um comentário rude e grosseiro a se fazer ao Mestre de cerimônias. Pelo menos a partir do que Vatican Insider apurou, essas palavras nunca saíram da boca de Bergoglio. Francisco simplesmente disse que preferia não usá-la, sem fazer nenhum comentário sobre carnaval, e sem humilhar o obediente cerimoniário.

A verdadeira continuidade entre Bento XVI e Francisco pode ser vista em muitos aspectos e em muitas alusões e insistências que escutamos nestes primeiros dias do novo pontificado: a humildade, a consciência de que a Igreja é guiada pelo Senhor, o não protagonismo do Papa. Bento XVI, depois de sua eleição, disse que “o Papa deve fazer resplandecer a luz de Cristo, não a própria luz”. Francisco, ao reunir-se com os jornalistas disse que o “protagonista” é Cristo, não o Papa.

Também a sensibilidade ao cuidado da Criação (cujo centro é o homem) e a defesa do ambiente é um elemento comum de ambos os Pontífices. Sem falar do tema do carreirismo e da “mundanidade espiritual” na Igreja: só quem se esqueceu das profundas homilias do Papa Ratzinger sobre estes temas duvida que não haja uma continuidade essencial. Somente quem não conhece seus escritos sobre a liturgia pode pensar que o mais importante eram os tecidos e os paramentos. Quanto à “descontinuidade” entre Ratzinger e Bergoglio, precisamos perguntar a nós mesmos quanta ajuda recebeu Bento XVI de seus colaboradores para transmitir a alma de suas mensagens. Assim como Paulo VI deve ser afastado de certos “montinianos” que se consideram os únicos portadores vivos de sua memória, assim Bento XVI deve ser salvo de certos “ratzingerianos” que em mais de uma ocasião pretenderam inclusive ensiná-lo como ser Papa.

(Por Andrea Tornielli – Tradução: Ecclesia Una)

terça-feira, 2 de abril de 2013

Judas e Pedro


A queda de Judas representa para nós uma advertência. Assim o afirma o autor, com toda a razão. Com efeito, causa vertigem pensar que um homem bom, escolhido e preparado por Deus para realizar uma grande missão, um homem que conviveu intimamente com o próprio Jesus e que tinha todas as condições para ser fiel até o fim e muito santo, tenha caído tão fundo.
Essa advertência torna-se ainda mais forte, se nos lembrarmos de que não foi só Judas que traiu. Os outros Apóstolos, também traíram o Senhor, embora de outro modo, e até o próprio Pedro, o Príncipe dos Apóstolos, traiu Cristo. Ele que tinha recebido a missão de ser a rocha incomovível sobre a qual se deveria edificar a Igreja ao longo dos séculos, negou covardemente o Senhor.
Judas e Pedro. Duas histórias que nos colocam diante do mistério do mal, dos abismos de maldade que existem no coração de todo o ser humano. Sem dúvida, uma advertência importante.

UM PARALELO

As quedas de Judas e de Pedro apresentam um grande paralelismo. Em ambos os casos, houve uma longa história de claudicações que culminaram quer na traição, quer na negação. Mas há também diferenças significativas.
Judas, antes de cair, corrompeu-se totalmente. No início, seguia Jesus com retidão. Havia na sua alma, como na dos outros Apóstolos, ambições humanas alheias à missão de Cristo e interesses pessoais mesquinhos, mas estavam num segundo plano; o que importava acima de tudo era colaborar com o Senhor.
No entanto, com o passar do tempo, essa situação foi-se invertendo: as ambições pessoais de Judas, não devidamente subjugadas à medida que “erguiam a cabeça”, foram pouco a pouco ganhando terreno até que, em dado momento, o Apóstolo percebeu com nitidez que a proposta de Jesus não se coadunava em absoluto com elas. Então, em lugar de retificá-las, preferiu mantê-las e colocá-las em primeiro lugar na sua vida. Em hipótese alguma teria conseguido responder como os filhos de Zebedeu: “Podemos”, se tivesse sido convidado como eles a beber do cálice da Cruz. Ou talvez o tivesse feito... mentindo.
A partir daí, foi-se desenvolvendo na sua alma um processo de infecção generalizada pelo câncer de um tremendo egoísmo. Seu coração foi-se endurecendo e distanciando aceleradamente de Cristo. A sua consciência foi-se embotando: começou a roubar o dinheiro da bolsa da que era encarregado, e, perdida a confiança em Jesus, passou a olhá-lo com olhos cada vez mais críticos, até chegar, após sucessivas decepções, a odiar Aquele a quem tanto admirara. Finalmente veio a traição vil.
Pedro, pelo contrário, nunca perdeu essa retidão interior. Começou a seguir Jesus num arranque abnegado de generosidade, por amor. E por amor seguiu-o até ao fim. No entanto, a sua natureza generosa e ardente era frágil, e Pedro, apesar de tantas advertências carinhosas mas claras de Cristo, preferiu ignorá-las presunçosamente. E foi essa presunção que o perdeu. O seu itinerário até à queda correu pela linha das atitudes de autosuficiência, das “desafinações” em relação ao espírito do Mestre, que a longo prazo apontavam para a infidelidade em situações extremas. E assim chegou à sua tríplice negação.
Pedro, tal como Judas, tinha uma visão demasiado humana da sua missão e do próprio Cristo. Não atribuía a devida importância à oração – Jesus tivera que censurá-lo no Horto das Oliveiras por ter adormecido e deixado de vigiar em sua companhia –; freqüentemente julgava sem a perspectiva da fé – movido por um carinho superficial e emotivo por Cristo, tentara demovê-lo do cumprimento cabal da vontade do Pai no sacrifício da Cruz –; pensava presunçosamente que nunca abandonaria o seu Mestre, ainda que todos os outros o fizessem. O resultado foi que, na noite da Sexta-feira Santa, num gesto atrevido em que se misturavam amor e presunção, seguiu Jesus até à casa do Sumo-sacerdote, o reduto do inimigo, e foi surpreendido pela própria fraqueza, caindo, impotente, nas três negações.
Estamos, portanto, diante de duas modalidades de queda, ambas inquietantes. Uma, a de um homem que era bom e que se deixou corromper por ambições egoístas até à mais completa dureza de coração; e a outra, a de um homem igualmente bom, que sem deixar de ser reto chegou, por presunção, a tornar-se extremamente vulnerável.

O CORAÇÃO ENDURECIDO

A história de Judas adverte-nos para o perigo da falta de pureza de intenção que nasce do egoísmo. É muito comum que os nossos ideais mais elevados estejam misturados com intenções egoístas de avareza, de vaidade, etc. Aconteceu com a maioria dos Apóstolos, que, embora quisessem honestamente colaborar com a instauração do Reino de Deus, tinham também pretensões menores de vaidade: quantas vezes não teve Jesus que corrigi-los por estarem discutindo sobre qual deles seria o maior, sobre postos de honra, sobre quem se sentaria à sua direita ou à sua esquerda! Aconteceu também com Judas. Só que, nos outros Apóstolos, essas pretensões e as suas inevitáveis conseqüências más não levaram à ruína final e, em Judas, sim. Porque os outros souberam combatê-las à medida que se iam manifestando, e Judas não se preocupou com isso. Deixou-se dominar por elas e, como conseqüência, corrompeu-se.
Quantos casos destes não conhecemos! Certamente em muito menor escala, mas com a mesma raiz. Pensemos, como um de tantos exemplos, no jovem profissional que inicia a sua carreira, cheio de sonhos e de projetos para o futuro. Quer aprender, quer progredir. Certamente, pelo desejo nobre de prestar um serviço qualificado à sociedade e de conquistar uma posição confortável para a família recém-constituída; mas também pelo desejo de prevalecer sobre os colegas, de conquistar status, de sentir a satisfação orgulhosa da própria capacidade de trabalho. Está na mesma situação que Judas no início do seu apostolado, e corre, como ele, o risco de corromper-se.
Se não estiver vigilante, tenderá a polarizar-se no exercício da sua profissão e a tornar-se escravo de uma ambição desordenada. Começará a desentender-se da família, ficando – sem necessidade – até mais tarde no emprego com excessiva freqüência. E, se mulher e filhos vierem a reclamar da sua ausência, responderá indignado que, se se ausenta, é apenas para conseguir o dinheiro de que “eles” necessitam. Depois, passará a preferir uma happy hour em companhia dos colegas ao descanso junto aos seus. Não tardará a vir a amizade colorida com a companheira de escritório, cuja conversa amena, em sintonia com a sua mentalidade e as suas reais preocupações, parecerá muito mais atraente que a da esposa.
Paralelamente, o sadio companheirismo no ambiente de trabalho dará lugar à concorrência, ao mesquinho jogo de influências. Depois virão as injustiças, as faltas de lealdade, as “puxadas de tapete”. E assim, se não refreia o egoísmo, retificando constantemente a intenção, o nosso jovem idealista, com o tempo, acabará por converter-se em mais um profissional medíocre, separado da esposa, desiludido da vida, velho aos quarenta anos.
A queda de Judas adverte-nos também para o perigo ainda mais insidioso de um falso seguimento de Cristo, de uma religiosidade interesseira. É o caso daqueles que, sem extraírem do Evangelho o seu conteúdo profundo, revestem a própria vida com um verniz de cristianismo. Pretendem assim estar quites com Deus e evitar quaisquer represálias da sua parte. Não roubam, não matam, talvez não cheguem ao adultério manifesto, mas não têm escrúpulos quando se trata de desonestidades veladas, de um “caso” discreto ou de um “flirt” carregado de maus desejos. Não fazem mal a ninguém, mas não vivem a caridade, omitem-se, não fazem quase nenhum bem. Quando muito, observam algumas práticas religiosas. Rezam, mas jamais se interessam por conhecer a sua fé a fundo, por buscar uma amizade crescente com Deus, pela oração sem anonimato e pelos sacramentos. Procuram a Deus apenas na medida em que isso os leva a sentir-se bem, a obter consolo, socorro e “cura” nas suas dificuldades. Querem conquistar a proteção e a ajuda de Deus, sim, mas para poderem, às custas dEle, viver a sua vida, com os seus projetos de realização egoísta, fechando os ouvidos ao que Deus possa pretender deles. Ou seja, cometem o mesmo pecado de Judas no seu coração: em vez de servir a Deus, servem-se de Deus.
São os mesmos que, após um período mais ou menos longo de prática religiosa em épocas de bonança e de prosperidade, se escandalizam quando chega o sofrimento, quando vem a Cruz. Ante o fracasso nos negócios, a dor de uma doença grave ou a morte prematura de um familiar, afastam-se desiludidos, ressentidos, amargurados. E podem facilmente terminar na revolta aberta contra Deus, na mais completa traição ao ideal religioso que um dia acalentaram.
Ainda uma última lição da história de Judas. É preciso precaver-se contra a perigosa armadilha da deformação da consciência. O processo de endurecimento do coração de Judas correu paralelo a um progressivo embotamento da consciência que o levou à cegueira. Porque é evidente que Judas estava cego quando vendeu Jesus. Foi por culpa sua que ficou assim, mas já estava cego. No seu triste caminho de corrupção moral, chegou, como já diz o autor, a desconfiar de Jesus, a vê-lo como alguém perigoso para os legítimos interesses do povo judeu. E portanto deve ter pensado que entregá-lo aos seus inimigos não seria um mal. O autor cita vários argumentos que lhe podem ter ocorrido nesse sentido. Aliás, se não fosse assim, dificilmente se explicaria a sua reação de desespero quando descobriu claramente que estava enganado.
Mesmo quando se leva uma vida ruim, se se conserva uma consciência clara, é difícil chegar ao extremo a que chegou Judas. O que é realmente perigoso é a cegueira de uma consciência deformada. É essa cegueira que pode fazer com que pouco a pouco nos tornemos muito duros de coração, sem percebermos com nitidez que estamos passando por um processo de corrupção. Só ela pode fazer que alguém acorde um belo dia e descubra, com amarga surpresa, que perpetrou uma terrível traição, que agiu como um canalha, como Judas.
Quando se deforma a consciência? Quando se despreza a luz que Deus nos dá para vermos que precisamos retificar em algo a nossa conduta, e não o fazemos. Durante todo o tempo em que a alma de Judas se ia enchendo de trevas, Jesus não deixou de estimá-lo muito e de tentar ajudá-lo. Deu-lhe muitas oportunidades de arrepender-se do seu egoísmo interesseiro quando o seguia somente para obter vantagens pessoais, e, depois, de arrepender-se dos seus desígnios de traição. Comenta São Tomás More que o Senhor “não o arrojou da sua companhia. Não lhe tirou a dignidade que tinha como Apóstolo. Nem lhe tirou a bolsa, e isso apesar de ser ladrão. Admitiu-o na Última Ceia com os demais Apóstolos. Não hesitou em ajoelhar-se e lavar com as suas inocentes e sacrossantas mãos os pés sujos do traidor, símbolo da sujidade da sua mente <...>. Finalmente, no instante supremo da traição, recebeu e retribuiu o beijo de Judas com serenidade e com mansidão (1). Cada uma dessas delicadezas do Senhor terá feito estremecer a alma de Judas, terá representado uma luz que mostrava claramente a bondade do Mestre e a baixeza do seu comportamento. Mas ele estava cego.
Hoje, se ouvirdes a voz do Senhor, não queirais endurecer os vossos corações (Hebr 3, 7). A consciência deforma-se quando, ao escutarmos a sua voz, procuramos abafá-la por todos os meios, para não termos que reconhecer o nosso erro e podermos continuar a satisfazer os nossos egoísmos. Se essa resistência à graça se repete muitas vezes, a consciência vai sendo cada vez mais sufocada pelas mentiras com que tratamos de abafá-la, vai perdendo pouco a pouco a capacidade de sensibilizar-se ante o mal, e chega a julgar como correto aquilo que na verdade é equivocado.
Não será por termos deformado a nossa consciência que agora já não nos ferem a sensibilidade comportamentos que antigamente nos levavam a um vivo arrependimento? Não estará na nossa cegueira a causa de certas relutâncias em aderir plenamente aos ensinamentos da Igreja em temas morais e, mais concretamente, em temas de moral conjugal? É uma hipótese que devemos examinar honestamente, com toda a sinceridade. Se Judas tivesse refletido a fundo sobre a origem dos seus espíritos críticos com relação a Jesus, talvez tivesse notado a relação desses pontos de desconfiança com a pertinácia das suas pretensões egoístas, talvez tivesse reparado que tantas vezes tivera que forçar a própria consciência com desculpas inconsistentes. Provavelmente, com a graça de Deus, teria podido sustar o processo de endurecimento do seu coração e evitado o desenlace fatal.

O CORAÇÃO ENFRAQUECIDO

Da queda de Pedro devemos, em contrapartida, aprender a fugir da presunção. Aprender que mesmo um homem reto, que continua a pôr Deus em primeiro lugar no seu coração, pode cair em faltas muito graves se não se esforça por estar muito unido a Ele, seguindo Cristo de perto; ou seja, se não combate energicamente as pequenas claudicações do seu modo de ser e não se apóia na força da graça – na oração, na confissão, na Comunhão...
Em certo sentido, as negações de Pedro chamam mais a atenção que a traição de Judas, porque, no caso deste último, é evidente que houve um lento processo de deterioração que preparou a queda ruinosa, ao passo que, no caso do primeiro, aparentemente, o tropeço chegou de repente. Essa aparente instantaneidade da queda poderia levar-nos à impressão fatalista de que não haveria modo de nos precavermos contra as tentações violentas, de que a nossa perseverança no bem estaria completamente à mercê de circunstâncias imprevisíveis. Mas a verdade, como apontávamos desde o início, é que também no caso de Pedro houve um tempo de maturação da queda, um período suficientemente longo em que ele teria podido notar a aproximação do perigo e tomado as providências necessárias para afastá-lo.
Pedro poderia ter notado que, à medida que se aproximava o momento da morte de Cristo na Cruz, a perspectiva dessa morte, que Jesus já afirmara repetidas vezes ser absolutamente necessária, o vinha deixando cada vez mais perplexo e tristonho. Poderia ter notado que ia crescendo no seu coração a relutância em aceitá-la. Poderia ter reparado que essa relutância estava tornando difícil a sintonia com o Mestre, o diálogo profundo com Ele. Que desse modo se iam entorpecendo no seu coração os desejos de um seguimento incondicional de Cristo, abalando-se assim as bases da sua lealdade. Poderia ter dado ouvidos ao Senhor quando Jesus o advertiu do perigo da sua defecção. Poderia, em suma, ter percebido que se estava afastando de Cristo, que o estava seguindo “de longe”, tornando-se portanto cada vez mais fraco. Não o fez por presunção – confiava demais em si mesmo – e, por isso, chegado o momento da prova, encontrou-se sozinho e desamparado, sem a ajuda de Cristo e da sua Santíssima Mãe, com a qual teria podido contar se tivesse crescido em humildade.
Na realidade, nunca há quedas “instantâneas”. Como bem explica Chevrot, “a natureza não atua por golpes teatrais. Uma morte repentina é o resultado previsível de um lento desgaste do organismo; uma bancarrota do dia para a noite é a conclusão fatal de uma série de operações irregulares; o muro que desaba de repente estava deteriorado há muito tempo. Da mesma maneira, a queda repentina de uma alma no pecado só é repentina aparentemente; na realidade, é fruto de um obscuro trabalho anterior.
A hora em que um cristão sucumbe à tentação raramente é aquela em que foi mais culpado, seja qual for a gravidade da sua falta em si mesma ou nas suas conseqüências. Esse cristão foi muito mais culpado antes do seu pecado, quando brincava com o fogo, quando, rejeitando debilmente o pensamento do mal, se familiarizava com ele. Ao longo desse tempo, os desejos do orgulho tornavam-se mais precisos, os apetites da sensibilidade chegavam a ser mais imperiosos ou os apelos do interesse convertiam-se numa idéia fixa. Foi suficiente, depois, uma ocasião imprevisível para que esse cristão renegasse subitamente a sua dignidade, as suas promessas e a sua fé”Simão Pedro, 2ª ed., Quadrante, São Paulo, 1990, pág. 163.>.
Um homem reto somente cai se permitir que a sua alma passe por um processo de enfraquecimento que a torne vulnerável. É o que se dá, por exemplo, quando não se reage com prontidão e energia a pequenas faltas de honestidade no exercício da profissão, sob o pretexto de que se trata de “coisas de pouca monta”, ou quando se deixam abertas tênues brechas no campo da fidelidade conjugal, pensando que não passam de desejos vagos, de devaneios da imaginação, quando se entra pelo caminho das desculpas para justificar faltas no cumprimento do dever, insinceridades, espíritos críticos, etc., etc. Ou seja, cai-se fundo se, por falta de humildade, não se dá importância aos pequenos deslizes.
Portanto, “vigiai e orai para não cairdes em tentação”. Vigiai: procurando afastar as ocasiões de pecado, sem dar ouvidos às bravatas fanfarronas de uma autoconfiança orgulhosa; saindo rapidamente do terreno resvaladiço das pequenas fraquezas consentidas; apagando o fogo das paixões ruins quando está no início e pode ser facilmente debelado... E orai: mantendo um diálogo ininterrupto com o Senhor, que nos permita enxergar tudo com os olhos da fé, e garanta uma constante identificação da nossa vontade com a de Deus, enxertando a nossa fragilidade na sua fortaleza.

POR QUE A DIFERENÇA?

A principal diferença entre as histórias de Judas e de Pedro está no seu desfecho. Os dois traíram, ambos se afastaram de Jesus. Mas Pedro terminou bem: reassumiu a sua condição de Apóstolo e chegou a ser a Rocha firme de que Deus necessitava para a sua Igreja. Ao passo que Judas terminou mal, num horrível suicídio. Por que essa diferença?
Porque, chegado o momento em que perceberam o próprio erro – esse momento sempre chega, por graça de Deus –, Judas ficou apenas no remorso, na humilhação que a tomada de consciência do pecado produz, e, por isso, desesperou; e Pedro, pelo contrário, foi além: chegou ao arrependimento, e o arrependimento o curou.
Que diferença entre o remorso humilhado e o arrependimento, a contrição! A humilhação do remorso consiste na decepção que sofremos a respeito de nós mesmos. A contrição é a dor – dor de amor – que sentimos por ter ofendido a Deus. A primeira encerra-nos no nosso eu, a segunda abre-nos para o Outro. Por isso, o simples remorso produz intranqüilidade, tristeza, desespero e ruína; ao passo que o arrependimento leva à paz, à alegria, à esperança e à luta por mudar. O arrependimento cura e vivifica!
Resta apenas indagar por que Pedro se arrependeu e Judas não. Sem dúvida, o fato de Judas já estar totalmente corrompido no momento da queda e de Pedro ter continuado reto até o fim, contribuiu em boa medida. O caminho de volta era muito mais curto para o pescador do mar da Galiléia. Mas foi outro o fator preponderante.
Mal terminaram as negações do Apóstolo, Jesus, que tinha estado na sala de audiências do Sumo-sacerdote, foi conduzido ao pátio onde ele se encontrava, e então, escreve São Lucas, o Senhor voltou-se e olhou para Pedro... (Lc 22, 61)
Aquele olhar durou apenas um instante, porque Jesus foi imediatamente arrastado pelos soldados, mas bastou para mudar completamente o coração do negador transtornado. Era um olhar carinhoso de censura serena, sem mágoa, de tristeza compassiva, que oferecia o seu perdão. Representou para o miserável Simão o encontro decisivo com os abismos infinitos da misericórdia divina. Simão arrependeu-se porque se deixou penetrar por aquele olhar do Bom Pastor que procurava pela sua ovelha.
No momento da queda, Pedro esquecera-se completamente de Jesus, mas Jesus não se esquecera dele. Nunca se esquece do pecador. De algum modo misterioso, o seu olhar deve ter procurado também por Judas, no mesmo momento da traição. E até o próprio Judas se teria arrependido se não se tivesse encerrado na carapaça do seu orgulho.
Todos podemos trair. Se é verdade que há no coração do homem uma natural inclinação para o bem, também é verdade que o pecado original e os pecados pessoais produzem uma inegável inclinação para o mal. Somos capazes “de todos los horrores y todos los errores”, como sublinhava Mons. Escrivá. Mas, se tivermos uma atitude de honrada sinceridade para com Deus e de humildade para evitar a presunção, é muito mais difícil que cheguemos às grandes traições. Podem-se evitar tanto o endurecimento do coração como as quedas repentinas por fraqueza. E, mesmo que falhemos, sempre resta o recurso infalível à misericórdia de Deus. Aliás, a vida cristã consiste precisamente num contínuo começar e recomeçar, fazendo de cada vez que se cai um ato de contrição como Pedro, que chorou amargamente. O grande perigo não está em cair, mas em não tornar a levantar-se.

(Rafael Stanziona de Moraes)


segunda-feira, 1 de abril de 2013

O Sepulcro Glorioso


Os habitantes da cidade de Gaza, acordando certa manhã, ficaram cheios de admiração. No dia antecedente haviam atraído Sansão para dentro dos muros, haviam trancado as portas, tinham posto guardas por toda parte, e depois, esfregando as mãos de contentamento, haviam-se escondido, dizendo: “Amanhã, ao raiar do dia, quando ele quiser ir-se embora, mata-lo-emos”. Ao invés disso, à meia-noite, Sansão acordando e querendo sair da cidade, quando se achou diante da porta fechada, tomou ambos os batentes com seus umbrais e com a tranca, arrancou-os do muro, lançou-os sobre os seus ombros possantes, e, correndo como se carregasse um cordeirinho, subiu a montanha que se erguia bem em frente, e chegou ao cimo antes que o sol nascesse (cf. Juízes XVI, 1-3).
Que outra coisa pode significar este fato da História Sagrada senão a ressurreição gloriosa de Nosso Senhor? E os cidadãos de Gaza não são, porventura, na perfídia, semelhantes aos judeus que se haviam alegrado por terem matado Jesus, de haverem lançado o seu corpo num sepulcro fechado e selado por uma pedra enorme, de terem chamado sentinelas para vigiarem as imediações? Porém Jesus é infinitamente maior e mais forte do que Sansão: Ele não somente arrancou as portas de uma cidade terrena, mas quebrou os batentes da morte e do inferno. Ouvi.
Era o domingo de madrugada. Em Jerusalém, ainda sepulta no sono, todos dormiam: e eis que algumas mulheres caminham silenciosamente, levando sob os mantos vasos cheios de perfume. Quando o sol, superada a linha das colinas, derramou a sua luz até no fundo dos vales, elas já se achavam no jardim de José de Arimatéia.
“Quem nos removerá a pedra da boca do sepulcro?”, murmuravam elas entre si. Mas a pedra, já removida, jazia alvejante e larga por entre o verde da erva tenra.
Assustadas, penetraram no túmulo: estava invadido pela luz. Sentado à direita, envolto numa túnica branca, um anjo esperava-as: “Não temais! Se buscais a Jesus Nazareno, não está aqui: ressuscitou. Ide, e dizei-o a Pedro, dizei-o aos discípulos!”
Felizes mulheres; a elas foi confiado anunciarem ao universo a ressurreição. “E era justo”, diz Santo Ambrósio; “assim como no princípio do mundo a ruína começou pela mulher, assim também agora a salvação devia ser primeiramente anunciada pela mulher: a primeira no mal, a segunda no bem”.
Mas feliz também o sepulcro! as mulheres para ali se haviam dirigido a fim de chorarem um Morto, a fim de perfumarem as carnes dilaceradas de um Crucificado, mas enganaram-se. Em vez da morte acharam a Ressurreição, em vez de um cadáver acharam um anjo, em vez de pranto acharam a alegria maior.
A visão do profeta cumpriu-se. Et erit sepulchrum ejus gloriosum: “e o seu sepulcro será glorioso” (Is XI, 10):

glorioso pela fé,

glorioso pela esperança,

glorioso pelo amor

que dele jorra nos séculos inexaurivelmente.

Há em Roma uma “via” famosa pelas suas ilustres sepulturas: de um lado e doutro das suas margens erguem-se ainda os túmulos dos cônsules e dos imperadores. Pois bem: que foi que esses túmulos produziram até agora? Que força emana daqueles soberbos mausoléus que os viajores ainda olham com olhos maravilhados? E que podem eles fazer senão proclamar, alto e sempre, a miséria e a vaidade de toda grandeza humana?
Não assim o sepulcro de Jesus ressuscitado: desde a hora em que as piedosas mulheres ouviram nele o anúncio da Ressurreição, toda alma que vem ao mundo olha para lá, a fim de acender a chama sobrenatural da sua fé, da sua esperança, do seu amor.
Muitos milagres realizou o Filho de Deus durante a sua vida mortal: os demônios fugiam, os cegos viam, os leprosos eram curados, os paralíticos andavam. Não eram essas provas palpáveis da sua divindade? Contudo, muitos não acreditavam nEle.
“Mestre – diziam-lhe –, se deveras és o Messias, faze-nos ver um prodígio no céu: o sol que pára, uma estrela que cai, um carro de fogo como o de Elias...”
“Esta geração má e incrédula pede um sinal no céu...” – respondia-lhes Jesus. Pois bem, um sinal ela terá, maior do que o qual é impossível ver: e será o sinal de Jonas profeta. “Assim como Jonas esteve três dias e três noites no ventre do peixe, assim o Filho do Homem ficará três dias e três noites no seio da terra” (Mt XII, 38-40). Mas os judeus não compreenderam a sua queixa.
E mesmo quando, brandindo o flagelo, Ele expulsou do templo os traficantes, alguns ousaram afrontá-lo: “Quem és tu, para fazeres isto?” “Quem sou eu? – respondeu o Salvador – vo-lo mostrarei então, dentro em não muito: destruí o templo do meu corpo, fazei-o em pedaços: em três dias tornarei a pô-lo em pé” (cf. Jo II, 19). Ainda desta vez não o compreenderam.
Mas até ao pé da cruz eles foram provocá-lo. Ele já agonizava, e os que passavam junto ao seu patíbulo sacudiam a cabeça por desprezo: “Fracassaste. Havias prometido reedificar o templo em três dias, e morres sem um sinal. Ora, se és Filho de Deus, dai-nos ao menos este sinal: desprega-te da cruz e desce”.
Nem sequer uma só palavra respondeu.
Mas, três dias depois, veio a grande resposta: a terra tremeu de admiração, os seus inimigos morderam-se de raiva, os seus amigos acharam coragem e fé inabalável. O seu sepulcro estava vazio: Ele ressuscitara da morte.
Antes de Jesus – não percais esta reflexão de Santo Ambrósio –, antes de Jesus ouvira-se falar de pessoas ressuscitadas, porém ressuscitadas por outros homens. Com o sopro da sua boca Eliseu reanimara o filho da Sunamita; Elias, orando, restituíra a vida e a juventude ao filho de uma viúva de Sarepta, morto de fome. Porém esses ressurgiam por virtude de outro, e essa virtude não estava neles. A maravilha inaudita é que um morto se ressuscite a si mesmo: e Jesus realizou-a, para demonstrar que era o Filho de Deus.

Eis aí por que os Apóstolos, gente rude e medrosa, depois que viram o sepulcro vazio, tiveram a coragem de correr por todas as estradas do mundo para levar a chama da fé do Ressurgido.
Daquele sepulcro também os mártires tiraram a força de se deixarem despedaçar pelas feras ou trucidar pelos algozes.
Todos os santos, esses verdadeiros heróis da humanidade, de lá tiraram a sua força: naquele sepulcro glorioso, fundamento da sua fé, eles depuseram o homem antigo, feito de fraqueza e de pecado, para revestirem o homem novo, feito de força e de graça. Olhando para aquele sepulcro, os anacoretas permaneceram no deserto por toda a vida; olhando para aquele sepulcro, ainda hoje missionários e missionárias deixam o seu doce lar, a sua pátria amada, e, atravessando mares e montanhas, anunciam aos povos selvagens que Jesus ressurgiu, que o seu sepulcro é glorioso.
Hoje, volvamos também nós a nossa alma preguiçosa e os nossos olhos enevoados para o túmulo do Senhor: nós também, como as afortunadas mulheres, acha-lo-emos invadido pela luz; nós também ouviremos a voz do anjo que anuncia a Ressurreição! E sentiremos a nossa fé tornar-se mais viva e mais ativa.
“Se Ele ressurgiu, é o Filho de Deus: crede pois em todas as suas palavras!” Mas não nos diz só isto o glorioso sepulcro, senão também acrescenta: “Se Cristo, o Cabeça ressurgiu, também vós, ó membros, ressurgireis!” Eis aí a grande esperança que está radicada no fundo do nosso coração. Reposita est haec spes mea in sinu meo: “A esperança voltou a habitar no meu peito” (Jó XIX, 27).
Quando São Gregório Magno ainda era secretário pontifício em Constantinopla, surgira uma discussão entre aqueles cristãos sobre a ressurreição dos corpos. Entrementes, adoecera gravemente Eutíquio, o patriarca. São Gregório, e muitos com ele, foram ter com Eutíquio para ouvirem também o seu último parecer na questão que se agitara. Eutíquio, no leito, tocando as mãos e mostrando-as a eles, disse: “Coragem! todos nós ressuscitaremos nesta carne”. Depois, alegre com esta esperança, morreu.
Todas as vezes que, ajoelhados sobre a fria campa dos nossos entes queridos, uma profunda melancolia nos faz confranger o coração, pensemos: “Eles ressurgirão!” Vê-los-emos ainda, tal como os vimos? abraçá-los-emos ainda, tal como os abraçamos? Será possível? Olhai para o sepulcro de Cristo: está vazio. Também o dos nossos entes queridos, ao ressoar das trombetas angélicas, ficará vazio. O Cabeça ressurgiu, ressurgirão também os membros.
Mas, quando chegar a nossa vez, quando sob os golpes da morte o nosso corpo se desfizer, quando em volta do nosso leito trabalhado a nossa família chorar, que a fé nos conforte: “Caio, mas ressurgirei!” Resurgam. Será possível? Lembremo-nos então do sepulcro de Cristo: está vazio. Também o nosso, no fim dos tempos, ficará vazio, e Deus nos restituirá o nosso corpo.
Cristãos, o dogma da ressurreição da carne encerra um profundo ensinamento: – Como respeitamos o nosso corpo que um dia ressurgirá? – Quantos, esquecendo a sua dignidade, fazem dele o instrumento dos pecados mais vergonhosos e mais graves! Ao invés disto, todos nós devemos praticar a ordem de São Paulo: Glorificate et portate Deum in corpore vestro: “Glorificai e trazei a Deus no vosso corpo” (1 Cor 6, 20).
Já desde os primeiros séculos, de todas as partes do mundo os peregrinos acorreram ao sepulcro glorioso do Filho de Deus. E, quando ele caiu nas mãos dos Turcos, de toda a Europa partiram exércitos á sua reconquista. Houve um tempo em que até os meninos fugiam de casa sonhando chegar a Jerusalém, combater e morrer pelo sepulcro de Cristo.
Por que tanto amor? Porque aquelas pedras são o testemunho de tudo o que um Deus soube fazer por nós: morrer e ressurgir.
Mas agora Jesus quer que nós amemos o seu sepulcro de outra maneira. Ele não mais está morto, para se contentar com pedras frias, com rochas escavadas; agora está ressurgido para não mais morrer, e pede entrar nos corações vivos dos homens. Todos vós o haveis recebido? Tendes obedecido, todos, ao mandamento da igreja que impõe a Comunhão pascal? E a vossa alma tem sido um sepulcro novo e glorioso para Cristo, ou, ao invés, uma caverna sem perfumes e bolorenta de paixões não expulsas, de afetos não extirpados?
Eu não duvido de que cada um de vós tenha aberto o seu coração ao Salvador ressurgido. Mas talvez que entre os vossos amigos, entre os vossos parentes, em vossa própria casa, haja alguém que vos é muito caro e que no entanto ficou longe de imitar o glorioso Sepulcro. Aconselhai-o amoravelmente! Rezai por ele. E, se quiserdes consolar o Senhor, substituí-o na Sagrada Mesa: depois de havermos cumprido por nós mesmos o dever pascal, repitamos por ele alguma Comunhão.
Um dos mais célebres escritores franceses do século passado conta que, ao irromper a guerra de 1870, um pai de família de cinqüenta anos alistou-se no primeiro regimento dos zuavos, para tomar o lugar do filho de vinte anos que desertara.
São numerosos os desertores do exército de Cristo: são numerosos os que não mais compreendem quanta fé, quanta esperança, quanto amor transpira do sepulcro glorioso do Ressuscitado. Pois bem, compete a nós tomar-lhes o lugar: durante o tempo pascal não nos incomodemos de repetir as nossas Comunhões para pedirmos a volta desses desertores que a incredulidade, o desespero ou a ingratidão tem mantido longe do Salvador ressurgido.
  
(Giovanni Colombo)