quinta-feira, 29 de março de 2012

REC – Reflexões e Estudos CATÓLICOS (28/03/2012) - Tema: POBREZA - CONSELHO EVANGÉLICO


Jesus e o jovem rico


DEFININDO POBREZA

Podemos distinguir quatro tipos de pobreza:

1- A pobreza material negativa: que desumaniza e é combatida; a pobreza como condição social padecida.
2-   A pobreza material positiva: que liberta e eleva; a pobreza como ideal evangélico a ser cultivado.
3-  A pobreza espiritual negativa: que é ausência dos bens do espírito e dos verdadeiros valores humanos.
4-  A pobreza espiritual positiva: feita de humildade e confiança em Deus, que é o mais belo fruto produzido na árvore da pobreza bíblica.

Nesse estudo, voltaremos nossa atenção para a pobreza material positiva, abordada pelo Frei Raniero Cantalamessa em seu livro “A pobreza”.


A POBREZA ASSUMIDA POR JESUS


A NOVIDADE DA POBREZA

A transição do Antigo para o Novo Testamento assinala um salto qualitativo: o Antigo Testamento nos apresenta um Deus “para os pobres”; o novo, um Deus que se faz pessoalmente “pobre”. No Antigo Testamento, Deus escuta, se compadece, e defende os pobres; mas só o Evangelho nos fala do Deus que se faz um deles, que adota para si a pobreza e a fraqueza: “Jesus Cristo, que, por vós, de rico que era, se fez pobre para vos enriquecer com sua pobreza” (2 Cor 8,9).


POR QUE JESUS SE FEZ POBRE?

Já que o mundo não reconheceu nem honrou a Deus quando Ele se revelava pelo esplendor, poder, sabedoria e riqueza das coisas criadas, então resolveu agora salvar a humanidade decaída por um meio oposto, com a pobreza, a fraqueza, a humildade e a estultícia. Resolveu revelar-se “sob o seu contrário” para contestar o orgulho e a sabedoria dos humanos.
O que se nega aqui não é a bondade da Criação e de todos os bens que a compõem, ou seja, a obra de Deus, mas o pecado que o homem acrescentou-lhe por própria conta. Na encarnação, o Verbo não se limita a assumir a natureza humana para elevá-la, tal como é, mas, sobretudo, contesta, corrige, acerta essa natureza revelando-lhe a íntima corrupção de que se sobrecarregou.
Em Cristo resplandece a pobreza em sua forma mais sublime que não é a de ser pobre (isto pode ser algo imposto ou herdado), mas a de fazer-se pobre, e fazer-se pobre por amor, para tornar ricos os outros.


A POBREZA DA IGREJA


A POBREZA COMO CONSELHO EVANGÉLICO

Jesus nunca propôs a pobreza como uma “lei”, mas como um “conselho”, ou melhor, como “bem-aventurança”, como algo que atrai por meio da promessa de felicidade: “De fato, cada um é atraído pelo objeto do seu desejo” (Santo Agostinho).
É preciso pedir ao Espírito Santo que nos enamore da pobreza, pois quem dela está enamorado há de descobrir sem dificuldade as trilhas e maneiras de praticá-la.


A POBREZA ESCATOLÓGICA

Vejamos, entretanto, como atua em concreto essa motivação, ou seja, por que o Reino justifica e exige a pobreza.
O Reino de Deus já está presente no mundo na pessoa e na pregação de Jesus, e é necessário não deixá-lo esvair-se, mas aferrá-lo, excluindo tudo o que lhe fizer obstáculo, inclusive, se for preciso, a mão e o olho (cf. Mt 18, 8s). Em outras palavras, é possível começar a viver desde agora como se há de viver na situação definitiva do Reino, onde os bens terrenos não terão valor algum, mas Deus será tudo em todos.
Esta pobreza escatológica afirma o primado do espírito sobre a matéria, do invisível sobre o visível, da eternidade sobre o tempo.
O cristão não tem aqui cidadania estável, pertence à outra cidade. Por isso, é um contra-senso para ele deixar-se prender aos bens do tempo presente que deverá abandonar de uma hora para outra. A motivação escatológica age agora sob a forma de “esperança” dos bens eternos.
Neste contexto, nasce o famoso ideal da “fuga do mundo”, com o qual o cristão antecipa, de uma forma ou de outra, sua saída do século presente. “Deixai resolutamente de parte toda a cupidez – exorta nesse sentido São Bernardo –. As coisas do mundo devem-se desprezar, não enquanto concedidas para ser usadas, mas enquanto causam a ruína de muita gente. Quem transporta pesos não corre agilmente: quem, pelo contrário, está desimpedido corre com velocidade e segurança maiores. O caminho é curto e não há porque sobrecarregar-se de coisas demasiadas para a viagem.”


A POBREZA NÃO NOS LEVA A DEUS, MAS DEUS NOS LEVA À POBREZA

A melhor ilustração desta motivação escatológica, temo-la nas parábolas do tesouro escondido e da pérola preciosa: “O Reino do Céu é comparável a um tesouro que está escondido num campo e que um homem descobriu (...) e em sua alegria vai, põe à venda tudo o que tem e compra aquele campo” (Mt 13, 44s). Jesus não diz: “Um homem vende todos os seus bens e se põe à procura de um tesouro escondido”. Se alguém se pusesse a dizer isso, logo o teríamos na conta de um sonhador crônico que se põe periodicamente à procura de um misterioso tesouro escondido, acabando por perder tudo o que tinha sem nada encontrar. Não. Jesus diz que aquele homem vendeu tudo não para encontrar um tesouro, mas porque já o tinha descoberto. A pobreza não se escolhe para encontrar o Reino, mas porque o Reino foi descoberto. A pobreza não é um preço a ser pago pelo Reino; não é a causa de seu surgimento, mas o efeito.
Essa parábola, depois de ouvida, tem o poder todo particular de colocar o homem diante da “decisão do momento”, de não deixá-lo mais tranqüilo na própria mediocridade. Faz entrever a “troca admirável”, a oportunidade da vida. Exerce um fascínio. Age realmente “por atração”!


DEUS E O DINHEIRO

Quem é, objetivamente, e não subjetivamente (isto é, nos fatos e não nas intenções), o verdadeiro inimigo, o rival de Deus neste mundo? Satanás? Mas homem algum resolve seguir a Satanás sem motivo... Quem o faz é porque acredita auferir disso algum benefício temporal. Quem é, na realidade, o outro senhor, o anti-Deus? Jesus no-lo diz claramente: “Ninguém pode servir a dois senhores: ou odiará a um e amará o outro ou se apegará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6, 24).
O dinheiro é o anti-Deus, porque instituiu uma espécie de mundo alternativo, inverte o objeto das virtudes teologais. Fé, esperança e caridade não são mais postas em Deus, mas no dinheiro. Produz-se uma sinistra troca de valores. “Nada é impossível a Deus”, dizem as Escrituras, e também: “Tudo é possível a quem crê”. Mas o mundo diz: “Tudo é possível a quem tem dinheiro”. E, num certo nível, todos os fatos parecem dar-lhe razão.


A LIÇÃO DE SÂO FRANCISCO DE ASSIS

São Francisco estava caminhando com um jovem frade. Encontrando uma sacola de moedas pelo caminho, o jovem frade sugeriu a Francisco que o dinheiro fosse recolhido e doado aos pobres. Mas Francisco suspeitou tratar-se de uma armadilha do demônio. Em vez de embolsar as moedas, afastou-se um pouco e concentrou-se em orações. Em seguida, pediu ao companheiro que abrisse a sacola e, em vez das moedas, uma cobra enorme arrastou-se para fora. Uma lição da qual o jovem frade jamais se esqueceria. “Irmão, – disse-lhe Francisco – para os servos de Deus, o dinheiro não passa de um demônio, de uma cobra peçonhenta”.

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