Jesus e o jovem rico |
DEFININDO
POBREZA
Podemos distinguir quatro tipos de pobreza:
1- A pobreza material negativa: que
desumaniza e é combatida; a pobreza como condição social padecida.
2- A pobreza material positiva: que liberta e
eleva; a pobreza como ideal evangélico a ser cultivado.
3- A pobreza espiritual negativa: que é
ausência dos bens do espírito e dos verdadeiros valores humanos.
4- A pobreza espiritual positiva: feita de
humildade e confiança em Deus, que é o mais belo fruto produzido na árvore da
pobreza bíblica.
Nesse estudo, voltaremos nossa atenção para a pobreza material positiva, abordada
pelo Frei Raniero Cantalamessa em seu livro “A pobreza”.
A
POBREZA ASSUMIDA POR JESUS
A NOVIDADE
DA POBREZA
A transição do Antigo para o Novo Testamento
assinala um salto qualitativo: o Antigo Testamento nos apresenta um Deus “para
os pobres”; o novo, um Deus que se faz pessoalmente “pobre”. No Antigo
Testamento, Deus escuta, se compadece, e defende os pobres; mas só o Evangelho
nos fala do Deus que se faz um deles, que adota para si a pobreza e a fraqueza:
“Jesus Cristo, que, por vós, de rico que era, se fez pobre para vos enriquecer
com sua pobreza” (2 Cor 8,9).
POR QUE
JESUS SE FEZ POBRE?
Já que o mundo não reconheceu nem honrou a Deus
quando Ele se revelava pelo esplendor, poder, sabedoria e riqueza das coisas
criadas, então resolveu agora salvar a humanidade decaída por um meio oposto,
com a pobreza, a fraqueza, a humildade e a estultícia. Resolveu revelar-se “sob
o seu contrário” para contestar o orgulho e a sabedoria dos humanos.
O que se nega aqui não é a bondade da Criação e de
todos os bens que a compõem, ou seja, a obra de Deus, mas o pecado que o homem
acrescentou-lhe por própria conta. Na encarnação, o Verbo não se limita a
assumir a natureza humana para elevá-la, tal como é, mas, sobretudo, contesta,
corrige, acerta essa natureza revelando-lhe a íntima corrupção de que se sobrecarregou.
Em Cristo resplandece a pobreza em sua forma mais
sublime que não é a de ser pobre (isto
pode ser algo imposto ou herdado), mas a de fazer-se pobre, e
fazer-se pobre por amor, para tornar ricos os outros.
A
POBREZA DA IGREJA
A POBREZA
COMO CONSELHO EVANGÉLICO
Jesus nunca propôs a pobreza como uma “lei”, mas
como um “conselho”, ou melhor, como “bem-aventurança”, como algo que atrai por
meio da promessa de felicidade: “De fato, cada um é atraído pelo objeto do seu
desejo” (Santo Agostinho).
É preciso pedir ao Espírito Santo que nos enamore
da pobreza, pois quem dela está enamorado há de descobrir sem dificuldade as
trilhas e maneiras de praticá-la.
A POBREZA
ESCATOLÓGICA
Vejamos, entretanto, como atua em concreto essa
motivação, ou seja, por que o Reino justifica e exige a pobreza.
O Reino de Deus já está presente no mundo na pessoa
e na pregação de Jesus, e é necessário não deixá-lo esvair-se, mas aferrá-lo,
excluindo tudo o que lhe fizer obstáculo, inclusive, se for preciso, a mão e o
olho (cf. Mt 18, 8s). Em outras palavras, é possível começar a viver desde agora
como se há de viver na situação definitiva do Reino, onde os bens terrenos não
terão valor algum, mas Deus será tudo em todos.
Esta pobreza escatológica afirma o primado do
espírito sobre a matéria, do invisível sobre o visível, da eternidade sobre o
tempo.
O cristão não tem aqui cidadania estável, pertence à
outra cidade. Por isso, é um contra-senso para ele deixar-se prender aos bens
do tempo presente que deverá abandonar de uma hora para outra. A motivação
escatológica age agora sob a forma de “esperança” dos bens eternos.
Neste contexto, nasce o famoso ideal da “fuga do
mundo”, com o qual o cristão antecipa, de uma forma ou de outra, sua saída do
século presente. “Deixai resolutamente de parte toda a cupidez – exorta nesse
sentido São Bernardo –. As coisas do mundo devem-se desprezar, não enquanto
concedidas para ser usadas, mas enquanto causam a ruína de muita gente. Quem
transporta pesos não corre agilmente: quem, pelo contrário, está desimpedido
corre com velocidade e segurança maiores. O caminho é curto e não há porque
sobrecarregar-se de coisas demasiadas para a viagem.”
A POBREZA
NÃO NOS LEVA A DEUS, MAS DEUS NOS LEVA À POBREZA
A melhor ilustração desta motivação escatológica, temo-la
nas parábolas do tesouro escondido e da pérola preciosa: “O Reino do Céu é
comparável a um tesouro que está escondido num campo e que um homem descobriu
(...) e em sua alegria vai, põe à venda tudo o que tem e compra aquele campo”
(Mt 13, 44s). Jesus não diz: “Um homem vende todos os seus bens e se põe à
procura de um tesouro escondido”. Se alguém se pusesse a dizer isso, logo o
teríamos na conta de um sonhador crônico que se põe periodicamente à procura de
um misterioso tesouro escondido, acabando por perder tudo o que tinha sem nada
encontrar. Não. Jesus diz que aquele homem vendeu tudo não para encontrar um
tesouro, mas porque já o tinha descoberto. A pobreza não se escolhe para
encontrar o Reino, mas porque o Reino foi descoberto. A pobreza não é um preço
a ser pago pelo Reino; não é a causa de seu surgimento, mas o efeito.
Essa parábola, depois de ouvida, tem o poder todo
particular de colocar o homem diante da “decisão do momento”, de não deixá-lo
mais tranqüilo na própria mediocridade. Faz entrever a “troca admirável”, a
oportunidade da vida. Exerce um fascínio. Age realmente “por atração”!
DEUS E
O DINHEIRO
Quem é, objetivamente, e não subjetivamente (isto
é, nos fatos e não nas intenções), o verdadeiro inimigo, o rival de Deus neste
mundo? Satanás? Mas homem algum resolve seguir a Satanás sem motivo... Quem o
faz é porque acredita auferir disso algum benefício temporal. Quem é, na
realidade, o outro senhor, o anti-Deus? Jesus no-lo diz claramente: “Ninguém
pode servir a dois senhores: ou odiará a um e amará o outro ou se apegará a um
e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6, 24).
O dinheiro é o anti-Deus, porque instituiu uma
espécie de mundo alternativo, inverte o objeto das virtudes teologais. Fé,
esperança e caridade não são mais postas em Deus, mas no dinheiro. Produz-se
uma sinistra troca de valores. “Nada é impossível a Deus”, dizem as Escrituras,
e também: “Tudo é possível a quem crê”. Mas o mundo diz: “Tudo é possível a
quem tem dinheiro”. E, num certo nível, todos os fatos parecem dar-lhe razão.
A LIÇÃO DE
SÂO FRANCISCO DE ASSIS
São Francisco estava caminhando com um jovem frade.
Encontrando uma sacola de moedas pelo caminho, o jovem frade sugeriu a
Francisco que o dinheiro fosse recolhido e doado aos pobres. Mas Francisco
suspeitou tratar-se de uma armadilha do demônio. Em vez de embolsar as moedas,
afastou-se um pouco e concentrou-se em orações. Em seguida, pediu ao
companheiro que abrisse a sacola e, em vez das moedas, uma cobra enorme
arrastou-se para fora. Uma lição da qual o jovem frade jamais se esqueceria.
“Irmão, – disse-lhe Francisco – para os servos de Deus, o dinheiro não passa de
um demônio, de uma cobra peçonhenta”.
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