terça-feira, 17 de abril de 2012

O dom de línguas em Pentecostes


No tempo pascal fazemos memória da ressurreição e ascensão do Senhor, mas também nos preparamos para a grande festa de Pentecostes, onde o Consolador desce sobre sua Igreja enchendo-a de força e de dons.
Vamos ler um trecho do capítulo segundo dos Atos dos Apóstolos sobre esse acontecimento:

“Chegando o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar. De repente, veio do céu um ruído, como se soprasse um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam sentados. Apareceu-lhes então uma espécie de línguas de fogo que se repartiram e pousaram sobre cada um deles. Ficaram todos cheios do Espírito Santo e começaram a falar em línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem. Achavam-se então em Jerusalém judeus piedosos de todas as nações que há debaixo do céu. Ouvindo aquele ruído, reuniu-se muita gente e maravilhava-se de que cada um os ouvia falar na sua própria língua. Profundamente impressionados, manifestavam a sua admiração: Não são, porventura, galileus todos estes que falam? Como então todos nós os ouvimos falar, cada um em nossa própria língua materna? Partos, medos, elamitas; os que habitam a Macedônia, a Judéia, a Capadócia, o Ponto, a Ásia, a Frígia, a Panfília, o Egito e as províncias da Líbia próximas a Cirene; peregrinos romanos, judeus ou prosélitos, cretenses e árabes; ouvimo-los publicar em nossas línguas as maravilhas de Deus! Estavam, pois, todos atônitos e, sem saber o que pensar, perguntavam uns aos outros: Que significam estas coisas? Outros, porém, escarnecendo, diziam: Estão todos embriagados de vinho doce.” (At 2, 1-13)

Até a Solenidade de Pentecostes, publicaremos aqui alguns textos tratando do assunto. Neste post, nos prenderemos no que diz respeito ao dom de línguas derramado em Pentecostes.
Nos últimos tempos, tem-se confundido o dom de línguas (capacidade de falar e compreender outros idiomas sem tê-los aprendido anteriormente) com a prática da glossolalia (capacidade de falar e compreender uma língua inexistente, irracional).
Não queremos, neste texto, avaliar a veracidade e/ou a eficácia da glossolalia na vida da Igreja, pois é um fenômeno relativamente novo dentro do catolicismo, difundido a partir da década de 70, que ainda necessita de estudo e aprofundamento por parte do Magistério da Igreja.
O que queremos, então, é tratar do dom de línguas manifestado no dia de Pentecostes e o seu valor teológico.
Quando o Espírito Santo desceu sob a forma de línguas de fogo, os apóstolos começaram a falar em diversas línguas, como nos mostra o texto bíblico:

“Ouvindo aquele ruído, reuniu-se muita gente e maravilhava-se de que cada um os ouvia falar na sua própria língua. [...] Como então todos nós os ouvimos falar, cada um em nossa própria língua materna? [...] judeus ou prosélitos, cretenses e árabes; ouvimo-los publicar em nossas línguas as maravilhas de Deus!” (idem)

Como podemos ver, não existe nenhum relato de “oração em línguas” (como também é conhecida a glossolalia) nesta passagem bíblica, mas sim de um dom concedido aos apóstolos de que falassem nas diferentes línguas do povo de Deus que ali se encontrava. Vejamos o que nos diz a Tradição da Igreja sobre esse trecho de Atos dos Apóstolos:

"No dia de Pentecostes, teve a sua mais exata e direta confirmação aquilo que fora anunciado por Cristo no discurso da despedida; em particular, o anúncio de que estamos a tratar «O Consolador [...] convencerá o mundo quanto ao pecado». Nesse dia, sobre os Apóstolos congregados no mesmo Cenáculo em oração, juntamente com Maria, Mãe de Jesus, desceu o Espírito Santo prometido, como lemos nos Atos dos Apóstolos: «Todos ficaram cheios de Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia que se exprimissem» (cf. At 2,4) «reconduzindo desse modo à unidade as raças dispersas e oferecendo ao Pai as primícias de todas as nações»” (Santo Ireneu de Lyon, Contra as Heresias III)

“Aquele vento purificava os corações da palha da carne. Aquele fogo consumia o fogo da velha concupiscência. Aquelas línguas faladas pelos que estavam repletos do Espírito Santo prefiguravam a futura Igreja, que haveria de estar entre as línguas de todos os povos.” (Santo Agostinho, Sermão 271)

Podemos perceber também que os apóstolos não “oravam” mas sim “pregavam” as maravilhas de Deus em diferentes línguas.
Este fenômeno ocorreu para que se manifestasse a catolicidade da Santa Igreja, ou seja, a Igreja de todas as nações.

"A Igreja é católica, porque o Evangelho se destina a todos os povos e por isso, já desde o início, o Espírito Santo faz com que ela fale todas as línguas" (Papa Bento XVI, Solenidade de Pentecostes, 27 de maio de 2007)

Este fenômeno ocorrido em Pentecostes torna viva no seio da Igreja a missão de Jesus de fazer novas todas as coisas. As diferentes línguas que em Babel foram castigo pela ambição do povo, agora tornam-se sinal da presença de Deus.

"Também em Babel as línguas foram divididas! Exatamente! O que se passa no Pentecostes é exatamente o contrário do que se passou em Babel. Em Babel, por orgulho, foram as línguas dos homens que se dividiram, de modo que eles não se compreendiam mais e foram, por isso, divididos, separados, dispersos. Em Pentecostes é o dom de Deus que se divide para estender-se a cada um e reuni-los a todos: a partir desse momento os homens que receberam o Espírito Santo anunciam todos a mesma palavra, a Palavra de Deus, e fazem-se compreender por todos os homens pois falam todas as línguas. As barreiras lingüísticas são ultrapassadas pela Palavra do Deus Único, tornada compreensível a todos pelo dom das línguas.” (Rito Bizantino)

O Espírito Santo [...] no dia de Pentecostes desceu sobre os discípulos para permanecer eternamente com eles; que a Igreja foi publicamente manifestada ante a multidão; que pela pregação se iniciou a difusão do Evangelho entre as nações; que enfim foi prefigurada a união dos povos na catolicidade da fé mediante a Igreja da Nova Aliança que fala todas as línguas, compreende e abraça na caridade todos os idiomas e assim supera a dispersão de Babel” (Concilio Vaticano II, Decreto Ad Gentes)

Após o Pentecostes, o dom de línguas tornou-se muito comum entre aqueles que eram responsáveis por pregar o Evangelho. Assim, o povo que primeiramente conhecera a Verdade conseguia anunciar o Evangelho de Cristo a povos de diferentes línguas.

Porquanto o dom de línguas devemos saber que como na Igreja primitiva eram poucos os consagrados para ensinar pelo mundo a fé de Cristo, a fim de que mais facilmente e a muitos anunciassem a palavra de Deus, o Senhor deu-lhes o dom de línguas, para que a todos ensinassem, não de modo que falando uma só língua fossem entendidos por todos, como alguns dizem, mas sim, bem literalmente, de maneira que nas línguas dos diversos povos, falassem as de todos. Pelo qual disse o Apóstolo: Dou graças a Deus porque falo as línguas de todos vós (1Co 14,18). E em Atos 2,4, se disse: Falavam em várias línguas, etc. E na Igreja primitiva muitos alcançaram de Deus este dom. [...] Pois os coríntios, que eram de indiscreta curiosidade, preferiam esse dom que o da profecia. E aqui por falar em língua, o Apóstolo entende que em língua desconhecida e não explicada: como se alguém falasse em língua teutônica a um galês, sem explicá-la, esse tal fala em língua.(São Tomás de Aquino, Summa Teológica)

Alguns santos, como São Francisco Xavier, Santo Antônio, São Vicente Ferrer, São Francisco Solano, em sua maioria missionários e pregadores, receberam de Deus esse dom para anunciar por todo o mundo. Em diversas ocasiões, pregaram a grandes multidões de pessoas de nacionalidades diferentes, sendo entendidos por todos como se falassem em sua própria língua de origem.
Quanto menos necessário se torna este dom para o anúncio da Palavra, menos teremos relatos dele, como nos explica Santo Agostinho:

"Quem em nossos dias, espera que aqueles a quem são impostas as mãos para que recebam o Espírito Santo, devem portanto falar em línguas , saiba que esses sinais foram necessários para aquele tempo. Pois eles foram dados com o significado de que o Espírito seria derramado sobre os homens de todas as línguas, para demonstrar que o Evangelho de Deus seria proclamado em todas as línguas existentes sobre a Terra. Portanto o que aconteceu, aconteceu com esse significado e passou." (Santo Agostinho, Homilias)

Sendo assim, queridos irmãos e irmãs, oremos a Deus para que, como em Pentecostes, o Espírito Santo desça sobre a Igreja para que ela continue anunciando as maravilhas de Deus para todos os povos e em todas as línguas.

Um comentário:

  1. Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura!! (Mc 16,15)

    Amém.

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