No tempo pascal fazemos memória da ressurreição e ascensão do
Senhor, mas também nos preparamos para a grande festa de Pentecostes, onde o
Consolador desce sobre sua Igreja enchendo-a de força e de dons.
Vamos ler um trecho do capítulo segundo dos Atos dos Apóstolos
sobre esse acontecimento:
“Chegando
o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar. De repente, veio
do céu um ruído, como se soprasse um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde
estavam sentados. Apareceu-lhes então uma espécie de línguas de fogo que se
repartiram e pousaram sobre cada um deles. Ficaram todos cheios do Espírito
Santo e começaram a falar em línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia
que falassem. Achavam-se então em Jerusalém judeus piedosos de todas as nações
que há debaixo do céu. Ouvindo aquele ruído, reuniu-se muita gente e
maravilhava-se de que cada um os ouvia falar na sua própria língua. Profundamente
impressionados, manifestavam a sua admiração: Não são, porventura, galileus
todos estes que falam? Como então todos nós os ouvimos falar, cada um em nossa
própria língua materna? Partos, medos, elamitas; os que habitam a Macedônia, a
Judéia, a Capadócia, o Ponto, a Ásia, a Frígia, a Panfília, o Egito e as
províncias da Líbia próximas a Cirene; peregrinos romanos, judeus ou
prosélitos, cretenses e árabes; ouvimo-los publicar em nossas línguas as
maravilhas de Deus! Estavam, pois, todos atônitos e, sem saber o que pensar,
perguntavam uns aos outros: Que significam estas coisas? Outros, porém,
escarnecendo, diziam: Estão todos embriagados de vinho doce.” (At 2, 1-13)
Até a Solenidade de Pentecostes, publicaremos aqui
alguns textos tratando do assunto. Neste post, nos prenderemos no que diz
respeito ao dom de línguas derramado em Pentecostes.
Nos últimos tempos, tem-se confundido o dom de
línguas (capacidade de falar e compreender outros idiomas sem tê-los aprendido
anteriormente) com a prática da glossolalia (capacidade de falar e compreender
uma língua inexistente, irracional).
Não queremos, neste texto, avaliar a veracidade
e/ou a eficácia da glossolalia na vida da Igreja, pois é um fenômeno
relativamente novo dentro do catolicismo, difundido a partir da década de 70,
que ainda necessita de estudo e aprofundamento por parte do Magistério da
Igreja.
O que queremos, então, é tratar do dom de línguas
manifestado no dia de Pentecostes e o seu valor teológico.
Quando o Espírito Santo desceu sob a forma de
línguas de fogo, os apóstolos começaram a falar em diversas línguas, como nos
mostra o texto bíblico:
“Ouvindo
aquele ruído, reuniu-se muita gente e maravilhava-se de que cada um os ouvia
falar na sua própria língua. [...]
Como então todos nós os ouvimos falar, cada um em nossa própria língua materna? [...] judeus ou
prosélitos, cretenses e árabes; ouvimo-los publicar em nossas línguas as maravilhas de Deus!” (idem)
Como podemos ver, não existe nenhum relato de “oração
em línguas” (como também é conhecida a glossolalia) nesta passagem bíblica, mas
sim de um dom concedido aos apóstolos de que falassem nas diferentes línguas do
povo de Deus que ali se encontrava. Vejamos o que nos diz a Tradição da Igreja
sobre esse trecho de Atos dos Apóstolos:
"No dia de Pentecostes, teve a sua mais exata e direta confirmação aquilo que
fora anunciado por Cristo no discurso da despedida; em particular, o anúncio de
que estamos a tratar «O Consolador [...] convencerá o mundo quanto ao pecado».
Nesse dia, sobre os Apóstolos congregados no mesmo Cenáculo em oração,
juntamente com Maria, Mãe de Jesus, desceu o Espírito Santo prometido, como lemos
nos Atos dos Apóstolos: «Todos ficaram cheios de Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia que se exprimissem»
(cf. At 2,4) «reconduzindo desse modo à
unidade as raças dispersas e
oferecendo ao Pai as primícias de todas as nações»” (Santo Ireneu de Lyon, Contra
as Heresias III)
“Aquele vento purificava os corações da palha da carne.
Aquele fogo consumia o fogo da velha concupiscência. Aquelas
línguas faladas pelos que estavam repletos do Espírito Santo prefiguravam a futura
Igreja, que haveria de estar entre as línguas de todos os povos.” (Santo
Agostinho, Sermão 271)
Podemos perceber também que
os apóstolos não “oravam” mas sim “pregavam” as maravilhas de Deus em
diferentes línguas.
Este fenômeno ocorreu para
que se manifestasse a catolicidade da Santa Igreja, ou seja, a Igreja de todas
as nações.
"A Igreja é católica, porque o Evangelho se destina a
todos os povos e por isso, já desde o início, o Espírito Santo faz com que ela fale todas as línguas" (Papa Bento XVI,
Solenidade de Pentecostes, 27 de maio de 2007)
Este fenômeno ocorrido em
Pentecostes torna viva no seio da Igreja a missão de Jesus de fazer novas todas
as coisas. As diferentes línguas que em Babel foram castigo pela ambição do povo,
agora tornam-se sinal da presença de Deus.
"Também em Babel as línguas foram divididas! Exatamente!
O que se passa no Pentecostes
é exatamente o contrário do que se passou em Babel. Em Babel , por
orgulho, foram as línguas dos homens que se dividiram, de modo que eles não se
compreendiam mais e foram, por isso, divididos, separados, dispersos. Em
Pentecostes é o dom de Deus que se divide para estender-se a cada um e
reuni-los a todos: a partir desse
momento os homens que receberam o Espírito Santo anunciam todos a mesma palavra, a Palavra de Deus, e fazem-se compreender por todos
os homens pois falam todas as
línguas. As barreiras
lingüísticas são ultrapassadas pela Palavra do Deus Único, tornada
compreensível a todos pelo
dom das línguas.” (Rito Bizantino)
“O Espírito Santo [...] no dia de Pentecostes desceu
sobre os discípulos para permanecer eternamente com eles; que a Igreja foi publicamente
manifestada ante a multidão; que
pela pregação se iniciou a difusão do Evangelho entre as nações; que enfim foi prefigurada a união dos povos na
catolicidade da fé mediante a Igreja da Nova Aliança que fala todas as línguas, compreende e abraça na caridade todos os idiomas e assim supera a dispersão de Babel” (Concilio Vaticano II,
Decreto Ad Gentes)
Após o Pentecostes, o dom de
línguas tornou-se muito comum entre aqueles que eram responsáveis por pregar o
Evangelho. Assim, o povo que primeiramente conhecera a Verdade conseguia
anunciar o Evangelho de Cristo a povos de diferentes línguas.
“Porquanto o
dom de línguas devemos saber que
como na Igreja primitiva eram poucos os consagrados para ensinar pelo mundo a
fé de Cristo, a fim de que
mais facilmente e a muitos anunciassem a palavra de Deus, o Senhor deu-lhes o dom de línguas, para que a todos ensinassem, não de modo que falando
uma só língua fossem entendidos por todos, como alguns dizem, mas sim, bem literalmente,
de maneira que nas línguas
dos diversos povos, falassem as de todos. Pelo qual disse o Apóstolo: Dou graças a Deus porque falo as línguas de todos vós (1Co 14,18). E em Atos 2,4, se disse: Falavam em várias
línguas, etc. E na Igreja primitiva muitos alcançaram de Deus este dom. [...]
Pois os coríntios, que eram de indiscreta curiosidade, preferiam esse dom que o
da profecia. E aqui por
falar em língua, o Apóstolo
entende que em língua desconhecida e não explicada: como
se alguém falasse em língua teutônica a um galês, sem explicá-la, esse tal fala
em língua.”
(São Tomás de Aquino, Summa Teológica)
Alguns santos, como São Francisco Xavier, Santo Antônio, São
Vicente Ferrer, São Francisco Solano, em sua maioria missionários e pregadores,
receberam de Deus esse dom para anunciar por todo o mundo. Em diversas
ocasiões, pregaram a grandes multidões de pessoas de nacionalidades diferentes,
sendo entendidos por todos como se falassem em sua própria língua de origem.
Quanto menos necessário se torna este dom para o anúncio da
Palavra, menos teremos relatos dele, como nos explica Santo Agostinho:
"Quem em nossos dias, espera que aqueles a quem são impostas as
mãos para que recebam o Espírito Santo, devem portanto falar em línguas , saiba
que esses sinais foram necessários para aquele tempo. Pois
eles foram dados com o significado de que
o Espírito seria derramado sobre os homens de todas as línguas, para demonstrar
que o Evangelho de Deus seria proclamado em todas as línguas existentes sobre a
Terra. Portanto o que aconteceu, aconteceu com esse
significado e passou." (Santo Agostinho, Homilias)
Sendo assim, queridos irmãos e irmãs, oremos a Deus
para que, como em Pentecostes, o Espírito Santo desça sobre a Igreja para que
ela continue anunciando as maravilhas de Deus para todos os povos e em todas as
línguas.
Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura!! (Mc 16,15)
ResponderExcluirAmém.