quarta-feira, 1 de agosto de 2012

REC – Reflexões e Estudos CATÓLICOS (01/08/2012) - Tema: MANSIDÃO

“A mansidão do homem é lembrada por Deus e a alma pacífica se converte no templo do Espírito Santo. Cristo recosta sua cabeça nos espíritos mansos e apenas a mente pacífica se converte em morada da Santa Trindade.” (Evágrio Pontico, monge do século IV)

A MANSIDÃO NA BÍBLIA E NO CATECISMO

Primeiramente, Jesus fala sobre a mansidão no Sermão da Montanha:
Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra!” (Mt 5,5)
Depois apresenta-se Ele mesmo como manso e humilde:
Vinde a mim, vós todos que estais aflitos sob o fardo, e eu vos aliviarei. Tomai meu jugo sobre vós e recebei minha doutrina, porque eu sou manso e humilde de coração e achareis o repouso para as vossas almas. Porque meu jugo é suave e meu peso é leve.” (Mt 11, 28-30)
Assim o Catecismo (§1832) nos relembra a mansidão como fruto do Espírito Santo:
Os frutos do Espírito são perfeições que o Espírito Santo forma em nós como primícias da glória eterna. A Tradição da Igreja enumera doze: "caridade, alegria, paz, paciência, longanimidade, bondade, benignidade, mansidão, fidelidade, modéstia, continência e castidade".

O QUE É A MANSIDÃO?

Num mundo onde há, se não uma ausência de valores, uma inversão completa deles, dificilmente se encontra lugar para o verdadeiro Bem, que não está em objeto ou homem qualquer, mas vem do alto. Por isso, talvez, a imagem do Cristo calado, tal qual cordeiro levado ao matadouro, é muito apreciada, mas dificilmente vivida, uma vez que o manso e humilde é tido como fraco e medíocre, ou ainda falso e resignado.
A virtude da mansidão parece, como tantas outras virtudes que deveríamos cultivar, fadada ao esquecimento e desprezo, já que não se vê como pode coadunar com o homem moderno e competitivo. É preciso um profundo senso cristão para compreender que a mansidão não é “a fraqueza de caráter que dissimula, sob exteriores adocicados, um profundo ressentimento. É uma virtude interna que reside ao mesmo tempo na vontade e na sensibilidade, para lá fazer reinar a serenidade e a paz, mas que se manifesta exteriormente, nas palavras e nos gestos, por maneiras afáveis.” (Adolph Tanquerey).
A mansidão proposta por Jesus nos leva à atitude de escuta da vontade de Deus para usarmos nossos talentos em bem do semelhante, aturando seus limites e cooperando com a superação de suas fraquezas. A pessoa nessa perspectiva aceita corrigir suas falhas e se coloca confiante nas mãos de Deus para realizar o bem. Longe de conformar-se com o erro, coloca-se no caminho de sua superação, fazendo a correção fraterna, mesmo correndo o risco de não ser aceita, como Jesus fez com os vendilhões do templo. A mansidão como virtude não se confunde com a inércia e a omissão. Faz a pessoa atuar e não ser vingativa, compreendendo os limites dos outros e cooperando com sua superação, com atitude de quem aceita o outro e tudo faz para o seu bem.

IRA: VÍCIO OPOSTO À MANSIDÃO

É sabido que toda virtude tem seu vício oposto, que é sufocado com a habitual prática do bem. Mas, neste caso, a teologia costuma indicar duas possibilidades para a ira:
- a que se submete à razão e é moderada por ela,
- e a que é movida pelas paixões e desordenada.
A ira que está em desacordo com a ordem da razão deseja o mal ao próximo, e é esta ira que conhecemos como vício capital, também chamada de iracúndia.
A ira por zelo, se moderada, é boa, mas deve-se ter extremo cuidado para que ela permaneça sempre escrava da razão, pronta a servi-la se necessário for. A ira apenas é boa e ordenada quando quer corrigir um vício e não visa a vingança e o dano alheio, mas unicamente a justa emenda das injúrias.
“A vida é uma viagem que temos que fazer para atingir o céu; não nos zanguemos no caminho uns contra os outros; andemos em companhia com nossos irmãos, em espírito de paz e amizade. Generalizando, aconselho-te: nunca por nada te exaltes, se for possível, e nunca, por pretexto algum, abras teu coração à ira; pois São  Tiago diz expressamente: a ira do homem não opera a justiça”(São Francisco de Sales).

QUEM AMA A JESUS CRISTO AMA A MANSIDÃO

Tomemos agora como objeto de estudo o capítulo quarto da obra de Santo Afonso Maria de Ligório: “A Prática do Amor a Jesus Cristo”, que aprofunda o tema da mansidão:

"A caridade é benigna". O espírito de mansidão é próprio de Deus. "Meu espírito é mais doce do que o mel". A pessoa que ama a Deus, ama a todos os que são amados por Deus, isto é, todos os homens. Por isso procura sempre socorrer, consolar, contentar a todos na medida do possível.
Eis o que diz São Francisco de Sales, mestre e modelo da mansidão: "A humilde mansidão é a virtude das virtudes que Deus tanto nos recomendou. É necessário praticá-la sempre e em toda parte". Dá-nos ainda a seguinte regra: "Quando vedes alguma coisa que se pode fazer com amor, fazei-o; o que não se pode fazer sem discussões, deixai-o”. Isso se refere ao que podemos deixar sem ofender a Deus, porque, quando existe ofensa a Deus, esta deve ser impedida sempre e depressa por aquele que é obrigado a impedi-la.
A mansidão deve ser praticada especialmente com os pobres, os quais normalmente, por causa da sua pobreza, são tratados asperamente pelos homens. Deve-se ainda usar da mansidão particularmente com os doentes que se encontram aflitos e, as mais das vezes, recebem pouco cuidado dos outros. Devemos exercer a mansidão principalmente com os inimigos. É preciso “vencer o mal com o bem", isto é, o ódio com o amor, a perseguição com a mansidão. Assim fizeram os santos e por esse meio conseguiram o afeto de seus maiores inimigos.

O EXEMPLO DE SÃO FRANCISCO DE SALES

“Diz São Francisco de Sales: "Não há nada que tanto edifique o próximo como a caridosa benignidade no trato". Ele tinha ordinariamente o sorriso nos lábios. “Sua aparência, suas palavras, suas maneiras respiravam mansidão”. São Vicente de Paulo afirmava jamais ter conhecido um homem mais manso, parecendo-lhe ver a imagem viva da bondade de Jesus Cristo. Mesmo quando sua consciência o obrigava a negar alguma coisa, o santo mostrava tanta benevolência com as pessoas, que elas iam embora contentes, embora não tivessem obtido o que desejavam. Era manso para com todos, com os superiores e com seus iguais, com seus inferiores, com as pessoas de casa e de fora. Era bem diferente dos que, segundo sua expressão, parecem anjos na rua e demônios em casa. No trato com seus empregados, não se queixava nunca de suas faltas; advertia-os apenas e sempre com bondade. Coisa muito louvável em todos os superiores!”
O superior deve usar de toda mansidão com os seus súditos. Ao lhes impor alguma coisa, deve antes pedir que mandar. Dizia São Vicente de Paulo “Para os superiores, não há melhor meio de se fazer obedecer do que a mansidão". "Experimentei todos os meios de governar - dizia Santa Joana de Chantal - e não encontrei nenhum melhor do que o modo bondoso e paciente".
São Francisco de Sales, por sua mansidão, alcançava dos outros tudo o que desejava. Assim conseguiu levar para Deus os pecadores mais endurecidos. A mesma coisa fazia São Vicente de Paulo que ensinava a seus missionários esta regra: "A afabilidade, o amor e a humildade têm uma força maravilhosa para ganhar os corações dos homens, e levá-los a abraçar as coisas mais desagradáveis à natureza humana". Uma vez mandou um grande pecador a um de seus padres para que o convertesse. Mas o missionário, vendo inúteis todos seus esforços, pediu ao santo que lhe dissesse alguma coisa. Ele o fez e o pecador se converteu. Este declarou depois que a singular bondade e extrema caridade do santo lhe ganharam o coração. Por isso o santo não admitia que seus missionários tratassem os seus penitentes com dureza, e lhes dizia que o espírito infernal se serve do rigor de alguns para causar maior dano às almas.


A BONDADE E A MANSIDÃO: FORMA CORRETA DE REPREENDER

“O superior deve mostrar-se benigno mesmo nas repreensões que tem a fazer. Uma coisa é repreender com energia e outra repreender com aspereza. É preciso, às vezes, repreender com energia, quando a falta é grave, principalmente em caso de repetição da falta e depois de a pessoa ter sido avisada. Mas evitemos repreender com aspereza e com raiva; quem repreende com raiva faz mais mal do que bem. Esse é o zelo errado que São Tiago reprova. Há quem se glorie de dominar assim sua família ou comunidade, e pensa que é assim que se deve governar. São Tiago não pensa assim: "Se tendes um zelo amargo, não vos glorieis”.
São Francisco de Sales dizia: “Assim como o óleo fica boiando quando despejado num copo de água, assim em todos nossos atos deve ficar por cima a bondade". Se a pessoa a ser repreendida está alterada, convém deixar a repreensão para outra hora e esperar que passe a raiva, caso contrário mais a irritaríamos. "Quando uma casa pega fogo não se deve jogar mais lenha na fogueira".
"Não sabeis de que espíritos sois". Foi esta a resposta que Jesus deu a Seus discípulos Tiago e João, quando eles queriam que fossem castigados os samaritanos, que os tinham expulsado da sua cidade:
- Que espírito é esse? Não é o Meu! O Meu espírito é de bondade e mansidão; "não vim para perder, mas para salvar as pessoas" e estais querendo que Eu as perca? Calai-vos e não Me façais semelhantes pedidos, porque não é esse o Meu espírito!
De fato, com que mansidão tratou Jesus a mulher adúltera:
- "Mulher, ninguém te condenou? Nem Eu te condenarei. Vai e não peques mais".
Contentou-Se apenas em admoestá-la a não mais pecar e a mandou em paz. Com quanta bondade procurou converter e converteu a samaritana. Começou pedindo-lhe água. Depois lhe disse:
- "Se soubesses quem é que te pede de beber!"
Em seguida revelou-lhe que era o Messias esperado.
Com quanta bondade procurou converter o traidor Judas. Deixou que ele comesse com Ele no mesmo prato. Lavou-lhe os pés e o admoestou no momento da traição:
- "Judas, é com um beijo que Me trais? Com um beijo trais o Filho do Homem?"
Como é que mais tarde converteu Pedro, depois de ter sido renegado por ele? "O Senhor voltou-Se e olhou para Pedro”. Ao sair da casa do pontífice, sem censurar o seu pecado, lançou sobre ele um olhar de ternura e o converteu. E converteu de tal forma que Pedro durante toda a vida não deixou de chorar a grave ofensa que fizera ao seu Mestre.”

CONSERVAR A MANSIDÃO

“É preciso praticar a benignidade com todos, em todas as circunstâncias e em todo o tempo. Adverte São Bernardo que alguns são mansos enquanto as coisas correm de acordo com sua vontade. Mas quando atingidos por alguma contrariedade ou dificuldade, logo se inflamam, e começam a fumegar como um vulcão. Pode-se chamá-los muito bem de carvões acesos escondidos debaixo de cinzas. Quem quer ser santo, deve ser nesta vida como o lírio entre espinhos. Embora nasça entre eles, não deixa de ser lírio, isto é, sempre igualmente suave e benigno! Quem ama a Deus conserva sempre a paz no coração e a deixa transparecer no rosto, apresentando-se sempre o mesmo, tanto nas dificuldades como na prosperidade: “As várias solicitações das criaturas não o perturbam na incessante luta da vida. Seu coração é como um santuário onde vive sempre em paz, unido a Deus". “
Quando nos acontece cometer alguma falta, é preciso que usemos de mansidão para conosco mesmos; irritar-se contra nós mesmos, após uma falta, não é humildade, mas refinada soberba, como se nós não fôssemos fracas e miseráveis criaturas. Dizia Santa Teresa: “A humildade de que inquieta nunca vem de Deus, mas do demônio”.
Zangar-se contra nós mesmos, após uma falta, é uma falta maior do que a cometida, e trará consigo muitas outras, pois nos fará deixar as práticas de piedade, a oração, a comunhão; e, se as fazemos, serão mal feitas. Dizia São Luís Gonzaga que não se enxerga na água turva e nela pesca o demônio. Uma alma perturbada pouco conhece a Deus e aquilo que deve fazer. É preciso, portanto, quando caímos em alguma falta, voltarmo-nos para Deus com humildade e confiança e, pedindo-Lhe perdão, dizer, como Santa Catarina de Gênova:
- Senhor, estas são as ervas do meu jardim!. Amo-Vos de todo o coração e me arrependo de Vos ter dado esse desgosto. Não quero mais fazê-lo, dai-me o Vosso auxílio. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário