Evangelho: João 6,60-69
"Nenhum cristão jamais poderá dizer que foi enganado
pelo Senhor! Deus nunca se mascarou para nós, nunca nos falou palavras
agradáveis para nos seduzir, nunca agiu como os nossos políticos; Deus não usa
botox! Ele é um Deus verdadeiro, leal, honesto! Não esconde suas exigências,
não omite suas condições para quem deseja segui-lo e servi-lo…
Escutamos na primeira leitura de hoje Josué
mandando o povo escolher: seguir os ídolos, que são de fácil manejo, que não
exigem nada ou, ao invés, seguir o Senhor, que é exigente, que é Santo e
corrige os que nele esperam? O próprio Josué dirá: “Não podeis servir ao
Senhor, pois ele é um Deus santo, um Deus ciumento, que não tolerará as vossas
transgressões, nem os vossos pecados!” (Js 24,19) Vede, meus caros, que o nosso
Deus não se preocupa com popularidade, não faz conta do número de fiéis, não
abranda suas exigências para ser aceito, mas sim, faz conta da fidelidade ao
seu amor e ao seu chamado!
O que aparece na primeira leitura torna-se ainda
mais claro e dramático no evangelho. Após dizer claramente que sua carne é
verdadeira comida e seu sangue é verdadeira bebida, muitos discípulos se
escandalizaram com Jesus (os protestantes ainda hoje se escandalizam e não
crêem na palavra do Salvador…). E Jesus, o que faz? Muda sua palavra? Volta
atrás no ensinamento para ser popular, para ser compreendido e aceito, para
encher as igrejas? Não! Popularidade, aceitação, bom-mocismo nunca foram seus
critérios! Ainda que sua palavra escandalize, ele nunca volta atrás. O Senhor
nunca se converte a nós; nós é que devemos nos converter a ele! Pode-se
manipular os ídolos; nunca o Deus verdadeiro!
É importante prestar atenção! Diante dos discípulos
escandalizados e murmuradores, que faz Jesus? Apresenta o critério decisivo: a
cruz. Escutai, irmãos, o que diz o Senhor: “Isto vos escandaliza? E quando
virdes o Filho do Homem subindo para onde estava antes?” Lembremo-nos que, para
o Evangelho de São João, a subida de Jesus para o Pai começa na cruz: ali ele
será levantado! Vede bem, meus irmãos, que não poderá seguir o Senhor, não
poderá suportar as palavras do Senhor, aquele que não estiver disposta a
contemplá-lo na cruz! E Jesus previne: “O Espírito é que dá vida; a carne não
adianta nada! As palavras que vos falei são Espírito e vida!” Compreendei,
caríssimos meus: somente se nos deixarmos educar pelo Santo Espírito, somente
se deixarmos os pensamentos e a lógica à medida da carne, isto é, à medida da
mera razão humana, é que poderemos compreender as coisas de Deus, coisas que
passam pela cruz de Cristo! Quando se trata do escândalo do Evangelho, “a carne
não adianta nada”! Não nos iludamos: entregues à nossa própria razão,
pensaremos como o mundo e jamais acolheremos Jesus e suas exigências! E, no
entanto, o Senhor continua: “É por isso que vos disse: ninguém pode vir a mim a
não ser que lhe seja concedido por meu Pai!” Vede bem, meus caros: acolher
Jesus, compreender suas palavras e acolhê-las, por quanto sejam difíceis e
duras, é graça de Deus e somente abertos para a graça poderemos realizá-lo! Como
acolher a linguagem da cruz, sem mudar de vida? Como acolher as exigências do
Senhor, sem a conversão do coração, sem nos deixarmos guiar pela imprevisível
liberdade do Santo Espírito? Quando isso acontece, experimentamos como o Senhor
é bom, o quanto é suave, o quando é doce segui-lo!
Um belíssimo exemplo disso, a Palavra de Deus nos
dá hoje recordando a vida da família cristã. São Paulo pensa o lar cristão como
uma pequena comunidade de discípulos de Cristo, uma pequena Igreja e dá
conselhos estupendos! O sentimento que deve nortear o comportamento familiar é
o amor. Que amor? O das músicas e das novelas? Não! Aquele amor manifestado na
cruz, aquele entre Cristo e a Igreja! Que beleza, que desafio, que sonho:
marido e mulher se amando como Cristo e a Igreja se amam, marido e mulher sendo
felizes na felicidade um do outro: “Sede solícitos uns para com os outros!”
Para o cristianismo, meus caros, a família cristã
não é primeiramente uma instituição humana, mas uma instituição divina, um
sacramento da Igreja. Mais ainda: a família é a primeira Igreja, a primeira
comunidade de irmãos em Cristo. Ali, é Jesus quem deve reinar, ali é o santo e
doce temor de Deus quem deve regular a convivência. Que desgraça hoje em dia a
paganização, a secularização, a banalização da família cristã. Atentos,
cristãos: a família é santa, a família é sagrada, a família não pode ser
profanada pelo desamor, pela indiferença, pela imoralidade, pela violência,
pelo consumismo, pela opressão, pela divisão, pela vulgarização! Que beleza,
meus caros, um homem e uma mulher unidos no amor com a bênção do Senhor gerando
filhos, gerando amor feito carne, feito gente, para o mundo, para a Igreja,
para a vida! Este é o sonho do Senhor para a família! Este e só este! Aos olhos
de Deus, não há outra forma legítima e aceitável de união familiar! Um homem,
uma mulher; um esposo, uma esposa e os filhos – eis o sonho, eis a bênção, eis
a felicidade quando se vive isso de acordo com o amor de Deus em Cristo! Que
bênção a convivência familiar! Que doçura poder partilhar as alegrias e
tristezas, as lutas e dificuldades num lar cristão, onde juntos se rezam,
juntos partilham, juntos vencem-se as dificuldades! São Paulo, encantado com
essa realidade, exclama: “É grande este mistério!” Que mistério? O mistério do
amor entre marido e mulher, da sua união que gera vida, que é doçura e
complementaridade. E o Apóstolo continua: “E eu o interpreto em relação a
Cristo e à Igreja!” Atenção! São Paulo está dizendo que a comunhão familiar é
imagem da comunhão entre Cristo e a Igreja!
É fácil, caríssimos, viver a família assim? Não!
Como não é fácil levar a sério a Palavra do Senhor! E Jesus, mais uma vez, nos
pergunta: “Isto vos escandaliza?” Escandaliza-vos o matrimônio ser
indissolúvel? Escandaliza-vos a fidelidade conjugal? Assusta-vos o dever de
gerar filhos com generosidade e educá-los com amor e firmeza? “Quereis também
ir embora?”
Caríssimos, que nossa resposta seja a de Pedro,
dada em nome dos Doze e de todos os discípulos: “A quem iremos, Senhor?
Caminhar contigo não é fácil; acolher tuas exigências nos custa; compreender
teus motivos às vezes é-nos pesado… Mas, a quem iremos? Só tu tens palavras de
vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus!”.
Que as palavras de Pedro sejam as nossas e, como Josué, possamos dizer: “Eu e
minha família serviremos o Senhor!” Amém.
Escolher a Deus – um Deus difícil! Os ídolos são
fáceis e muitos!
O Senhor é exigente; e não volta atrás na sua
palavra, mesmo quando essa escandaliza. O critério é a cruz (o Filho do homem
subindo e julgando). Somente pode compreendê-lo no Espírito, a carne não serve
aqui! – Ser cristão não é questão de propaganda ou munganga: é graça; é o Pai
quem atrai!
Muitos já não andavam mais com ele… Quereis ir
embora?
Senhor, só tu tens palavras de vida eterna: és o
Santo de Deus!
Provai e vede quão suave é o Senhor!
Uma família que serve o Senhor: a lei que regula é
o amor, o mesmo que se contempla na entrega de Cristo, selando a aliança com a
Igreja."
(D. Henrique Soares)
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