“A mansidão do
homem é lembrada por Deus e a alma pacífica se converte no templo do Espírito
Santo. Cristo recosta sua cabeça nos espíritos mansos e apenas a mente pacífica
se converte em morada da Santa Trindade.” (Evágrio Pontico, monge do século IV)
A
MANSIDÃO NA BÍBLIA E NO CATECISMO
Primeiramente,
Jesus fala sobre a mansidão no Sermão da Montanha:
“Bem-aventurados
os mansos, porque possuirão a
terra!” (Mt 5,5)
Depois
apresenta-se Ele mesmo como manso e humilde:
“Vinde a mim, vós todos que estais aflitos
sob o fardo, e eu vos aliviarei. Tomai meu jugo sobre vós e recebei minha
doutrina, porque eu sou manso e
humilde de coração e achareis o repouso para as vossas almas. Porque meu jugo é
suave e meu peso é leve.” (Mt 11, 28-30)
Assim o Catecismo (§1832) nos relembra a mansidão
como fruto do Espírito Santo:
“Os frutos do
Espírito são perfeições que o Espírito Santo forma em nós como primícias da
glória eterna. A Tradição da Igreja enumera doze: "caridade, alegria, paz,
paciência, longanimidade, bondade, benignidade, mansidão, fidelidade,
modéstia, continência e castidade".
O
QUE É A MANSIDÃO?
Num
mundo onde há, se não uma ausência de valores, uma inversão completa deles,
dificilmente se encontra lugar para o verdadeiro Bem, que não está em objeto ou
homem qualquer, mas vem do alto. Por isso, talvez, a imagem do Cristo calado,
tal qual cordeiro levado ao matadouro, é muito apreciada, mas dificilmente
vivida, uma vez que o manso e humilde é tido como fraco e medíocre, ou ainda
falso e resignado.
A
virtude da mansidão parece, como tantas outras virtudes que deveríamos
cultivar, fadada ao esquecimento e desprezo, já que não se vê como pode
coadunar com o homem moderno e competitivo. É preciso um profundo senso cristão
para compreender que a mansidão não é “a fraqueza de caráter que dissimula, sob
exteriores adocicados, um profundo ressentimento. É uma virtude interna que reside ao mesmo tempo na vontade e na
sensibilidade, para lá fazer reinar a serenidade e a paz, mas que se manifesta
exteriormente, nas palavras e nos gestos, por maneiras afáveis.” (Adolph
Tanquerey).
A mansidão proposta por Jesus nos leva à atitude de escuta da vontade de
Deus para usarmos nossos talentos em bem do semelhante, aturando seus limites e
cooperando com a superação de suas fraquezas. A pessoa nessa perspectiva aceita
corrigir suas falhas e se coloca confiante nas mãos de Deus para realizar o
bem. Longe de conformar-se com o erro, coloca-se no caminho de sua superação,
fazendo a correção fraterna, mesmo correndo o risco de não ser aceita, como
Jesus fez com os vendilhões do templo. A
mansidão como virtude não se confunde com a inércia e a omissão. Faz a
pessoa atuar e não ser vingativa, compreendendo os limites dos outros e
cooperando com sua superação, com atitude de quem aceita o outro e tudo faz para o seu bem.
IRA: VÍCIO OPOSTO À MANSIDÃO
É
sabido que toda virtude tem seu vício oposto, que é sufocado com a habitual
prática do bem. Mas, neste caso, a teologia costuma indicar duas possibilidades
para a ira:
-
a que se submete à razão e é
moderada por ela,
-
e a que é movida pelas paixões e
desordenada.
A
ira que está em desacordo com a ordem da razão deseja o mal ao próximo, e é
esta ira que conhecemos como vício capital, também chamada de iracúndia.
A
ira por zelo, se moderada, é boa, mas deve-se ter extremo cuidado para que ela
permaneça sempre escrava da razão, pronta a servi-la se necessário for. A ira
apenas é boa e ordenada quando quer corrigir um vício e não visa a vingança e o
dano alheio, mas unicamente a justa emenda das injúrias.
“A
vida é uma viagem que temos que fazer para atingir o céu; não nos zanguemos no
caminho uns contra os outros; andemos em companhia com nossos irmãos, em
espírito de paz e amizade. Generalizando, aconselho-te: nunca por nada te
exaltes, se for possível, e nunca, por pretexto algum, abras teu coração à ira;
pois São Tiago diz expressamente: a ira
do homem não opera a justiça”(São Francisco de Sales).
QUEM AMA A JESUS CRISTO
AMA A MANSIDÃO
Tomemos
agora como objeto de estudo o capítulo quarto da obra de Santo Afonso Maria de
Ligório: “A Prática do Amor a Jesus Cristo”, que aprofunda o tema da mansidão:
"A
caridade é benigna". O espírito de mansidão é próprio de Deus. "Meu
espírito é mais doce do que o mel". A
pessoa que ama a Deus, ama a todos os que são amados por Deus, isto é, todos os
homens. Por isso procura sempre socorrer, consolar, contentar a todos na
medida do possível.
Eis o
que diz São Francisco de Sales, mestre e modelo da mansidão: "A humilde
mansidão é a virtude das virtudes que Deus tanto nos recomendou. É necessário
praticá-la sempre e em toda parte". Dá-nos ainda a seguinte regra:
"Quando vedes alguma coisa que se pode fazer com amor, fazei-o; o que não
se pode fazer sem discussões, deixai-o”. Isso se refere ao que podemos deixar
sem ofender a Deus, porque, quando existe ofensa a Deus, esta deve ser impedida
sempre e depressa por aquele que é obrigado a impedi-la.
A
mansidão deve ser praticada especialmente com os pobres, os quais normalmente,
por causa da sua pobreza, são tratados asperamente pelos homens. Deve-se ainda
usar da mansidão particularmente com os doentes que se encontram aflitos e, as
mais das vezes, recebem pouco cuidado dos outros. Devemos exercer a mansidão
principalmente com os inimigos. É preciso “vencer o mal com o bem", isto
é, o ódio com o amor, a perseguição com a mansidão. Assim fizeram os santos e
por esse meio conseguiram o afeto de seus maiores inimigos.
O EXEMPLO DE SÃO FRANCISCO DE SALES
“Diz
São Francisco de Sales: "Não há nada que tanto edifique o próximo como a
caridosa benignidade no trato". Ele tinha ordinariamente o sorriso nos
lábios. “Sua aparência, suas palavras, suas maneiras respiravam mansidão”. São
Vicente de Paulo afirmava jamais ter conhecido um homem mais manso,
parecendo-lhe ver a imagem viva da bondade de Jesus Cristo. Mesmo quando sua
consciência o obrigava a negar alguma coisa, o santo mostrava tanta
benevolência com as pessoas, que elas iam embora contentes, embora não tivessem
obtido o que desejavam. Era manso para com todos, com os superiores e com seus
iguais, com seus inferiores, com as pessoas de casa e de fora. Era bem
diferente dos que, segundo sua expressão, parecem anjos na rua e demônios em
casa. No trato com seus empregados, não se queixava nunca de suas faltas;
advertia-os apenas e sempre com bondade. Coisa muito louvável em todos os
superiores!”
O
superior deve usar de toda mansidão com os seus súditos. Ao lhes impor alguma
coisa, deve antes pedir que mandar. Dizia São Vicente de Paulo “Para os
superiores, não há melhor meio de se fazer obedecer do que a mansidão".
"Experimentei todos os meios de governar - dizia Santa Joana de Chantal -
e não encontrei nenhum melhor do que o modo bondoso e paciente".
São
Francisco de Sales, por sua mansidão, alcançava dos outros tudo o que desejava.
Assim conseguiu levar para Deus os pecadores mais endurecidos. A mesma coisa
fazia São Vicente de Paulo que ensinava a seus missionários esta regra: "A
afabilidade, o amor e a humildade têm uma força maravilhosa para ganhar os
corações dos homens, e levá-los a abraçar as coisas mais desagradáveis à
natureza humana". Uma vez mandou um grande pecador a um de seus padres
para que o convertesse. Mas o missionário, vendo inúteis todos seus esforços,
pediu ao santo que lhe dissesse alguma coisa. Ele o fez e o pecador se
converteu. Este declarou depois que a singular bondade e extrema caridade do
santo lhe ganharam o coração. Por isso o santo não admitia que seus
missionários tratassem os seus penitentes com dureza, e lhes dizia que o
espírito infernal se serve do rigor de alguns para causar maior dano às almas.
A BONDADE E A MANSIDÃO: FORMA CORRETA DE
REPREENDER
“O
superior deve mostrar-se benigno mesmo nas repreensões que tem a fazer. Uma
coisa é repreender com energia e outra repreender com aspereza. É preciso, às
vezes, repreender com energia, quando a falta é grave, principalmente em caso
de repetição da falta e depois de a pessoa ter sido avisada. Mas evitemos
repreender com aspereza e com raiva; quem repreende com raiva faz mais mal do
que bem. Esse é o zelo errado que São Tiago reprova. Há quem se glorie de
dominar assim sua família ou comunidade, e pensa que é assim que se deve
governar. São Tiago não pensa assim: "Se tendes um zelo amargo, não vos
glorieis”.
São
Francisco de Sales dizia: “Assim como o óleo fica boiando quando despejado num
copo de água, assim em todos nossos atos deve ficar por cima a bondade".
Se a pessoa a ser repreendida está alterada, convém deixar a repreensão para
outra hora e esperar que passe a raiva, caso contrário mais a irritaríamos.
"Quando uma casa pega fogo não se deve jogar mais lenha na fogueira".
"Não
sabeis de que espíritos sois". Foi esta a resposta que Jesus deu a Seus
discípulos Tiago e João, quando eles queriam que fossem castigados os
samaritanos, que os tinham expulsado da sua cidade:
- Que
espírito é esse? Não é o Meu! O Meu espírito é de bondade e mansidão; "não
vim para perder, mas para salvar as pessoas" e estais querendo que Eu as perca?
Calai-vos e não Me façais semelhantes pedidos, porque não é esse o Meu
espírito!
De
fato, com que mansidão tratou Jesus a mulher adúltera:
-
"Mulher, ninguém te condenou? Nem Eu te condenarei. Vai e não peques
mais".
Contentou-Se
apenas em admoestá-la a não mais pecar e a mandou em paz. Com quanta bondade
procurou converter e converteu a samaritana. Começou pedindo-lhe água. Depois
lhe disse:
-
"Se soubesses quem é que te pede de beber!"
Em
seguida revelou-lhe que era o Messias esperado.
Com
quanta bondade procurou converter o traidor Judas. Deixou que ele comesse com
Ele no mesmo prato. Lavou-lhe os pés e o admoestou no momento da traição:
-
"Judas, é com um beijo que Me trais? Com um beijo trais o Filho do
Homem?"
Como é
que mais tarde converteu Pedro, depois de ter sido renegado por ele? "O
Senhor voltou-Se e olhou para Pedro”. Ao sair da casa do pontífice, sem
censurar o seu pecado, lançou sobre ele um olhar de ternura e o converteu. E
converteu de tal forma que Pedro durante toda a vida não deixou de chorar a
grave ofensa que fizera ao seu Mestre.”
CONSERVAR A MANSIDÃO
“É
preciso praticar a benignidade com todos, em todas as circunstâncias e em todo
o tempo. Adverte São Bernardo que alguns são mansos enquanto as coisas correm
de acordo com sua vontade. Mas quando atingidos por alguma contrariedade ou
dificuldade, logo se inflamam, e começam a fumegar como um vulcão. Pode-se
chamá-los muito bem de carvões acesos escondidos debaixo de cinzas. Quem quer
ser santo, deve ser nesta vida como o lírio entre espinhos. Embora nasça entre
eles, não deixa de ser lírio, isto é, sempre igualmente suave e benigno! Quem
ama a Deus conserva sempre a paz no coração e a deixa transparecer no rosto,
apresentando-se sempre o mesmo, tanto nas dificuldades como na prosperidade:
“As várias solicitações das criaturas não o perturbam na incessante luta da
vida. Seu coração é como um santuário onde vive sempre em paz, unido a
Deus". “
Quando
nos acontece cometer alguma falta, é preciso que usemos de mansidão para conosco
mesmos; irritar-se contra nós mesmos, após uma falta, não é humildade, mas
refinada soberba, como se nós não fôssemos fracas e miseráveis criaturas. Dizia
Santa Teresa: “A humildade de que inquieta nunca vem de Deus, mas do demônio”.
Zangar-se
contra nós mesmos, após uma falta, é uma falta maior do que a cometida, e trará
consigo muitas outras, pois nos fará deixar as práticas de piedade, a oração, a
comunhão; e, se as fazemos, serão mal feitas. Dizia São Luís Gonzaga que não se
enxerga na água turva e nela pesca o demônio. Uma alma perturbada pouco conhece
a Deus e aquilo que deve fazer. É preciso, portanto, quando caímos em alguma
falta, voltarmo-nos para Deus com humildade e confiança e, pedindo-Lhe perdão,
dizer, como Santa Catarina de Gênova:
-
Senhor, estas são as ervas do meu jardim!. Amo-Vos de todo o coração e me
arrependo de Vos ter dado esse desgosto. Não quero mais fazê-lo, dai-me o Vosso
auxílio.
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