Evangelho: Mc 6,1-6
O
Evangelho deste Domingo apresenta-nos Jesus na sua Nazaré. Ali mesmo, na sua
própria cidade, onde nascera e fora criado, os seus o rejeitam: “’Este homem
não é o carpinteiro, filho de Maria e irmão de Tiago, de Joset, de Judas e de
Simão? Suas irmãs não moram aqui conosco?’ E ficaram escandalizados por causa
dele”. Assim, cumpre-se mais uma vez a Escritura: “Veio para o que era seu e os
seus não o receberam” (Jo 1,11). E a falta de fé foi tão grande, a dureza de
coração, tão intensa, a teimosia, tão pertinaz, que São Marcos afirma, de modo
surpreendente: “Ali não pôde fazer milagre algum!”, tão grande era a falta de
fé daquele povo.
Meus
caros, pensemos bem na advertência que esta Palavra de Deus nos faz! O próprio
Filho do Pai, em pessoa, esteve no meio do seu povo, conviveu com ele,
falou-lhe, sorriu-lhe, abraçou-lhe e, no entanto, não foi reconhecido pelos
seus. E por quê? Pela dureza de coração, pela insistência teimosa em esperar um
messias de encomenda, sob medida, a seu bel prazer… Valia bem para Israel a
censura da primeira leitura de hoje, na qual o Senhor Deus se dirige a seu
servo: “Filho do homem, eu te envio aos israelitas, nação de rebeldes, que se
afastaram de mim. A estes filhos de cabeça dura e coração de pedra, vou-te
enviar, e tu lhes dirás: ‘Assim fala o Senhor Deus’. Quer escutem, quer não,
ficarão sabendo que houve entre eles um profeta!” Que coisa tremenda, meus
caros: houve entre os israelitas um profeta, e mais que um profeta: o Filho de
Deus, o Eterno, o Filho amado… E Israel o rejeitou!
Mas,
deixemos Israel. E nós? Acolhemos o Senhor que nos vem? Escutamos com fé sua
Palavra, quando ele se dirige a nós na Escritura, aquecendo nosso coração?
Acolhemo-lo na obediência da fé, quando ele se nos dirige pela boca da sua
Igreja católica, ensinando-nos o caminho da vida? Acolhemo-lo, quando nos fala
pela boca de seus profetas? Não tenhamos tanta certeza de que somos melhores
que aqueles de Nazaré! Aliás, é bom que nos perguntemos: por que os nazarenos
não foram capazes de reconhecer Jesus como Messias? Já lhes disse: porque o
Senhor não era um messias do jeito que eles esperavam: um simples fazedor de
milagres, um resolvedor de problemas… Jesus, pobre, manso, humilde, era também
exigente e pedia do povo a conversão de coração. Mas, há também uma outra razão
para os nazarenos rejeitarem Jesus: eles foram incapazes de ver além das
aparências. De fato, enxergaram em Jesus somente o filho de José, aquele que
correra e brincara nas suas praças, aquele ao qual eles haviam visto crescer.
Assim, sem conseguir olhar com mais profundidade, empacaram na descrença. Mas,
nós, conseguimos olhar com profundidade? Somos capazes de escutar na voz dos
ministros de Cristo a própria voz do Senhor? Somos sábios o bastante para ouvir
na voz da Igreja a voz de Cristo?
É
exatamente pela tendência nossa, tremenda, de sermos surdos ao Senhor, que
Jesus tanto sofreu e que Paulo se queixava das dificuldades do seu ministério.
O Apóstolo fala de um anjo de Satanás que o esbofeteava. Que anjo era esse? Ele
mesmo explica: suas “fraquezas, injúrias, necessidades, perseguições e
angústias sofridas por amor de Cristo”. O drama de Paulo é uma forte exortação
aos pregadores do Evangelho e a todos os cristãos. Aos pregadores do Evangelho
essa palavra do Apóstolo recorda que o anúncio será sempre numa situação de
pobreza humana, de apertos e contradições. A evangelização, caríssimos, não é
um trabalho de marketing televisivo como vemos algumas vezes nos “missionários”
dos meios de comunicação. O Evangelho do Cristo crucificado e ressuscitado, é
proclamado não somente pela palavra do pregador, mas também pela carne de sua
vida. Como proclamar a Palavra sem sofrer por ela? Como anunciar o Crucificado
que ressuscitou sem participar da sua cruz na esperança firme da sua
ressurreição? O Evangelho não é uma teoria, não é um sistema filosófico. O
Evangelho é Cristo Jesus encarnado na nossa vida, de modo que possamos dizer
como São Paulo: “Eu trago no meu corpo as marcas de Jesus” (Gl 6,17) Triste do
pregador que pensar em
anunciar Jesus conservando-se para si mesmo. Um diácono, um
padre, um bispo, que quisessem se poupar, que separasse a pregação do seu modo
de viver, que fosse pregador de ocasião, tornar-se-ia um falso profeta,
transformar-se-ia em marketeiro do Evangelho, portanto, inútil e estéril. É
toda a vida do pregador que deve ser envolvida na pregação: seu modo de viver,
de agir, de vestir, de relacionar-se com os bens materiais, sua vida afetiva,
seu modo de divertir-se, seu tipo de amizade… Tudo nele dever ser comprometido
com o Senhor e para o Senhor!
Mas,
essa palavra de São Paulo na liturgia de hoje vale também para cada cristão.
Hoje, somos minoria. O mundo não-crente, secularizado zomba de nós e já não crê
no anúncio de Cristo que lhe fazemos. Sentimos isso na pela! Pois bem, quando
experimentarmos a frieza e a dura rejeição, quando em casa, no trabalho, nos
círculos de amizades, formos ignorados ou ridicularizados por sermos de Cristo,
recordemos do Evangelho de hoje, recordemo-nos dos sofrimentos dos apóstolos e
retomemos a esperança: o caminho de Cristo é também o nosso; se sofrermos com
ele, com ele reinaremo; se morrermos com ele, com ele viveremos (cf. 2Tm
2,11-12) Não tenhamos medo: nós somos as testemunhas, os profetas, os sinais de
luz que Deus envia ao mundo de hoje! Sejamos fiéis: o Senhor está conosco, hoje
e sempre. Amém.
(Dom Henrique Soares
da Costa)
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