Pela ordem, porque, para nós, o primeiro conhecimento deve ser o
do que somos; pela utilidade, porque tal conhecimento não incha, mas humilha e
serve de fundação para a edificação. Pois o edifício espiritual que não tem seu
fundamento na humildade, não se agüenta em pé.
E para aprender a humildade, a alma não encontra nada mais
convincente do que descobrir-se a si mesma na verdade. Deve-se, portanto,
evitar a dissimulação, o auto-engano doloso, deve o homem encarar-se de frente,
evitando fugir de si mesmo.
Pois, defrontando-se a alma com a límpida luz da verdade,
encontrar-se-á muito diferente do que julgava ser e, suspirando em sua miséria
- uma miséria que já não pode esconder porque é verdadeira e manifesta -,
clamará com o salmista ao Senhor: "Em Tua verdade me humilhaste" (Sl
119, 75). Como não se humilhará neste verdadeiro conhecimento de si, ao dar-se
conta da carga de seus pecados, sob o peso deste corpo mortal, ao ver-se imersa
em preocupações terrenas, infectada pelos desejos carnais, cega, curvada,
fraca, envolta em mil pavores, angustiada ante mil dificuldades, sufocada ante
mil dúvidas, indigente de mil necessidades, inclinada ao vício, impotente para
as virtudes?
Onde está agora o olhar arrogante? Onde, a cabeça orgulhosamente
erguida? Não será ela ainda mais arremessada em sua desolação, trespassada por
espinhos? (Sl 32, 4). Que ela - diz o salmista - derrame lágrimas, que chore e
gema, que se volte para o Senhor e clame em sua humildade: "Cura, Senhor,
minha alma, pois pequei contra Ti" (Sl 41,5).
Se ela se voltar para o Senhor, encontrará consolo, pois Ele é o
Pai das misericórdias e o Deus de toda consolação.
Eu, quando olho para mim mesmo, fico imerso em amargura; logo,
porém, que alço a vista para o auxílio da misericórdia divina, suaviza-se meu
amargor com a alegria da visão de Deus e Lhe digo: "Minha alma está
conturbada interiormente, por isso me lembro de Ti" (Sl 42,7).
Basta um pouco de conhecimento de Deus para experimentar que Ele é
piedoso e solícito, pois, na verdade, Ele é um Deus de bondade e misericórdia,
que perdoa a maldade (Joel 2,13); Sua natureza é a bondade e é próprio dEle
perdoar e ter misericórdia sempre.
Deus se dá a conhecer nesta experiência e desta maneira salutar, a
partir do momento em que o homem se reconheça indigente e clame ao Senhor; e
Ele o ouvirá e dir-lhe-á: "Eu te libertarei e tu Me glorificarás" (Sl
50,15).
Assim, o conhecimento próprio é um passo para o conhecimento de
Deus. Vê-lO-ás em Sua imagem, que em ti se forma, na medida em que tu,
desarmado pela humildade, com confiança, irás refletindo a glória do Senhor e,
levado pelo Espírito de Deus, de claridade em claridade, irás te transformando
nessa imagem.”
(São Bernardo
de Claraval)
UAU
ResponderExcluirTexto Maravilhoso. Em qual livro encontro?
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