Evangelho: João 6,1-15
Salta
à vista o tema do pão na liturgia de hoje: ele aparece claramente na primeira
leitura e no evangelho e, de modo implícito, está presente também no salmo. Na
tradição bíblia, o pão recorda duas coisas importantíssimas. Lembra-nos,
primeiramente, que não somos auto-suficientes, não possuímos a vida de modo
absoluto: devemos sempre renová-la, lutar por ela. O homem não se basta a si
próprio; precisa do pão de cada dia. E aqui, um segundo importante aspecto: o
homem não pode, sozinho, prover-se de pão: é Deus quem faz a chuva cair, quem
torna o solo fecundo, quem dá vigor à semente. Assim, a vida humana está
continuamente na dependência do Senhor. Portanto, meus caros, todos
necessitamos do pão nosso de cada dia – e este é dom de Deus. “O que tens tu, ó homem, que não tenhas recebido? E, se recebeste,
do que, então, te glorias?”
Desse
modo, caríssimos irmãos em Cristo, Jesus, ao multiplicar os pães, apresenta-se
como aquele que dá vida, que nos sacia com o sentido da existência – sim, porque
não há vida de verdade para quem vive sem saber o sentido do viver! – Dá-nos,
Jesus a vida física, a vida saudável, mas dá-nos, mais que tudo, a razão
verdadeira de viver uma vida que valha a pena!
Mas,
acompanhemos com mais detalhes a narrativa do Quarto Evangelho. Jesus, num
lugar deserto, estando próxima a Páscoa, Festa dos judeus, manda o povo
sentar-se sobre a relva verde, toma uns pães e uns peixes, dá graças, parte, e
os distribui… multiplicando os pães e os peixes. Todos comeram e ficaram saciados.
Não aparece no evangelho deste Domingo, mas sabemos, pela continuação do texto
de São João, que o povo, após o milagre, foi à procura do Senhor e ele
recriminou duramente a multidão: “Vós
me procurais não porque vistes os sinais, mas porque comestes pão e ficastes
saciados!” Que sinal o povo deveria ter visto? Recordemos que
no final do trecho que escutamos no evangelho o povo exclama: “Este é verdadeiramente o profeta que devia vir ao mundo”. Eis:
o povo até que começou a discernir o sentido do milagre de Jesus; mas, logo
depois, fascinado simplesmente pelo pão material, pelas necessidades de cada
dia, esquece o sinal. Insistimos: que sinal? Primeiro, que Jesus é o Novo
Moisés, aquele profeta que o próprio Moisés havia anunciado em Dt 11,18: “O Senhor Deus suscitará no vosso meio um profeta como eu”.
Pois bem: como Moisés, Jesus reúne o povo num lugar deserto, como Moisés, sacia
o povo com o pão… Mas, Jesus é mais que Moisés: ele é o Deus-Pastor que faz o
rebanho repousar em verdes pastagens (“Havia muita relva naquele lugar… Jesus
mandou que o povo se sentasse…”) e lhe prepara uma mesa. Era isso que o povo
deveria ter compreendido; foi isso que não compreendeu…
E
nós, compreendemos os sinais de Cristo em nossa vida? Somos capazes de
descortinar o sentido dos seus gestos, seja na alegria seja na tristeza, seja
na luz seja na treva? Os gestos de Jesus na multiplicação dos pães é também
prenúncio da Eucaristia. Os quatro gestos por ele realizados – tomou o pão, deu
graças, partiu e deu – são os gestos da Última Ceia e de todas as ceias que
celebram o sacrifício eucarístico do Senhor: na apresentação das ofertas
tomamos o pão, na grande oração eucarística (do prefácio à doxologia – “Por
Cristo, com Cristo…”) damos graças, no “Cordeiro de Deus” partimos e na comunhão
distribuímos. Eis a Missa: o tornar-se presente dos gestos salvíficos do
Senhor, dado em sacrifício e recebido em comunhão.
Vivendo
intensamente esse Mistério, nos tornamos realmente membros do corpo de Cristo,
que é a Igreja. Cumprem-se em nós, de modo real, as palavras do Apóstolo: “Há um só Corpo e um só Espírito, como também é uma só a esperança
a que fostes chamados. Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e
Pai de todos, que reina sobre todos, age por meio de todos e permanece em todos”. Eis,
caríssimos! Que o bendito Pão do céu, neste sinal tão pobre e humilde do pão e
do vinho eucarísticos, nos faça compreender e acolher a constante presença do
Senhor entre nós e nos dê a graça de vivermos de verdade a vida de Igreja,
sendo um sinal seu no meio do mundo. Amém.
(D. Henrique Soares da Costa)
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