“Se o conhecimento de nós mesmos gera o temor de
Deus, e o conhecimento de Deus o amor de Deus, a ignorância de nós mesmos
produz o orgulho, e a ignorância de Deus conduz ao desespero. O orgulho se
enraíza na ignorância de nós mesmos, uma vez que um pensamento falso e
enganador nos leva a imaginar-nos melhores do que somos. Porque o orgulho, raiz
de todo pecado, consiste em sermos, aos nossos próprios olhos, maiores do que
somos aos olhos de Deus, e na verdade.
Se soubéssemos claramente em que lugar Deus coloca
cada um de nós, deveríamos conformar-nos a esta verdade, sem jamais nos
colocarmos acima ou abaixo de tal lugar. Mas, na vida presente, os decretos de
Deus estão envoltos em sombras e sua vontade, oculta: ninguém pode saber se é
digno de amor ou desagrado. Por isto, é mais acertado, segundo o conselho da
própria Verdade, escolher o último lugar, de onde irá tirar-nos, com honra para
nós, a fim de dar-nos um lugar melhor. Isto é mais conveniente do que escolher
um lugar elevado, do qual tenhamos de descer envergonhados.
Se passamos por uma porta cuja trave é muito baixa,
podemos abaixar-nos quanto quisermos sem nada recear; mas se acaso nos
erguemos, ainda que de um dedo apenas, acima da porta, bateremos com a cabeça.
Assim não devemos temer um excesso de humildade, mas recear e detestar o menor
movimento de presunção. Não vos compareis, nem aos que são maiores, nem aos que
vos são inferiores, nem aos outros, nem a ninguém. Que podeis saber a respeito?
Este homem, que vos parece o mais vil e o mais miserável de todos, cuja vida
criminosa e particularmente repugnante vos horroriza, pensais poder
desprezá-lo; não apenas em comparação convosco, que imaginais viver na
sobriedade, na justiça e na piedade, mas também em comparação com todos os
criminosos, como se fosse necessariamente o pior dentre eles. Tendes a certeza
de que não estará um dia num lugar melhor que o vosso, e de que já não seja,
desde agora, melhor aos olhos de Deus?
Por conseguinte, Deus não quis que tomássemos um
lugar médio, nem mesmo o penúltimo; ele disse: «Vai sentar-te no último lugar!»
(Lc 14, 10), a fim de estares sozinho no derradeiro lugar. Pois então não
pensarás, já não digo em te julgares melhor, mas nem mesmo em te comparares com
quem quer que seja. Eis o grande mal que resulta da ignorância de si mesmo: o
orgulho, origem de todo pecado”.
(São Bernardo de Claraval)
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